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"Passamos a ser gente": decisão muda candidatura de trans nas eleições

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Imagem: Reprodução/Facebook

Denise de Almeida e Juliana Simon

Do UOL

02/03/2018 09h24

Nas próximas eleições, não será um pênis ou vagina que determinará se os candidatos são homens ou mulheres. O Tribunal Superior Eleitoral decidiu, nesta quinta (1), que o gênero declarado pelo aspirante a político é o que deve ser respeitado, em vez do sexo biológico de nascimento.

"É uma decisão extremamente importante. Agora a gente entrou no zero a zero. Passamos a ser gente", opinou Luiza Coppieters em entrevista ao UOL. Professora de filosofia, Luiza concorreu em 2016 ao cargo de vereadora por São Paulo. À época, ela reclamou pelos dados de sua candidatura exporem seu nome de registro.

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A pressão para que o tema fosse abordado pelo TSE surgiu com a ajuda do coletivo #VoteLGBT e a campanha #MeRepresenta. "Descobrimos que as eleições não respeitavam a identidade de gênero das pessoas trans. Mulheres trans que não tinham mudado registro apareciam no sistema como do sexo masculino. Por outro lado, homens trans sem registro estavam na cota de mulheres”, conta Evorah Cardoso, integrante do movimento. Segundo ela, muitas pessoas não se candidatavam por essa exposição.

Luiza Coppieters - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação
Luiza foi uma das porta-vozes da campanha para pedir ao TSE a alteração na lei. Em novembro, ela discursou no plenário, em uma audiência pública sobre o tema. "Na hora em que se montou a mesa, pensei: será que o pessoal não percebe nada? Acho que tinha 7 homens na mesa, todos brancos, todos cisgêneros, provavelmente heterossexuais e casados, e era pra tratar de um tema de diversidade. Naquele salão não tinha absolutamente nenhuma diversidade", desabafa.

A professora, que hoje já tem o nome alterado para o feminino em seus documentos pessoais, explica que comemorou a decisão do TSE, mesmo não precisando mais do uso de um nome diferente do registro. "A luta não é só pra gente, não importa se eu vou usufruir disso ou não. O importante é que isso abra um precedente. O primeiro passo é se respeitar a identidade de gênero das pessoas transexuais", afirmou.

A luta, para Luiza, não acaba por aí. "Agora o grande desafio é que a gente tenha uma população politizada e que o voto seja consciente, seja representativo. Hoje eu ouvi de um promotor que as casas legislativas representam o povo brasileiro. Acho que depende do que a gente entende por 'representa'. No que há de pior, talvez. No que há de machista, de misógino, de latifundiário, fanático. Mas não na cor da pele, não na genitália, gênero, idade".

Dignidade e identidade

Criado em 2014, o Vote LGBT busca dar visibilidade às pessoas e à pauta LGBT. Em 2016, o coletivo se uniu a um movimento maior, o Me Representa, que conta com integrantes de mais movimentos pela representatividade de mulheres, negros e indígenas.

A decisão é mais um passo importante para os direitos da comunidade trans - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images
A questão chegou ao Tribunal Superior Eleitoral por meio de consulta pública apresentada pela Senadora Fátima Bezerra (PT-RN), com parecer de apoio do jurista Paulo Iotti, e representada pelo advogado Ademar Costa Filho.

Com dez anos de experiência no Direito Eleitoral, Ademar conta que antes de se envolver com a consulta, em 2016, não conhecia os embates das pessoas trans dentro da política e, mais especificamente, dentro das eleições. “Precisávamos passar isso para a Justiça Eleitoral para operacionalizar isso”, conta.

As ambições do coletivo foram superadas com a possibilidade de travestis estarem na cota feminina.

“A possibilidade desses candidatos serem encontrados na urna e no sistema pelo seu nome social é muito rico. E a decisão tem um efeito muito maior. Representa direito à dignidade e à identidade. Se hoje falamos que faltam mulheres na política, com a decisão de hoje, podemos complementar com as mulheres trans”, conta.

Ademar ressalta, no entanto, que a luta do coletivo não acaba por aí. “Nossa vitória hoje foi essa. Mas agora nossa luta é para que essas mulheres cis ou trans tenham recursos de campanha quando se candidatarem, com tempo de TV, por exemplo”, diz Ademar.

Outra decisão histórica para trans

Também nesta quinta, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou por unanimidade que transexuais e transgêneros alterarem o nome no registro civil sem a realização de cirurgia de confirmação de gênero. O julgamento começou ontem, quando já havia maioria de votos definindo a questão, e foi finalizado no início desta tarde, com os votos restantes.

Com a decisão, o interessado poderá se dirigir diretamente a um cartório para solicitar a mudança e não precisará comprovar sua condição, que deverá ser atestada por autodeclaração. A Corte não definiu a partir de quando a alteração estará disponível nos cartórios.