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Além da cicatriz: ela cria próteses de alpiste como alternativa ao silicone

A advogada Fernanda Chain, criadora do projeto Mamas do Amor - Arquivo pessoal
A advogada Fernanda Chain, criadora do projeto Mamas do Amor Imagem: Arquivo pessoal

Roseane Santos

Colaboração com Universa

08/08/2019 04h00

Após retirar as mamas em decorrência de um câncer, a advogada Fernanda Chain, de 50 anos, criou o projeto Mamas do Amor, que distribui próteses fabricadas com alpiste e já beneficiou 8.000 mulheres no Brasil e no exterior. Leia o relato:

"Em meados de 2016, recebi a notícia que nenhuma mulher está preparada para escutar. Depois de alguns exames, meu médico me disse que eu estava com câncer, e que tinha afetado as duas mamas. É complicado falar tudo que senti naquele momento. Mesmo para quem tem o apoio da família e dos amigos, todo o processo é delicado, doloroso. A minha vida mudou de uma hora para outra.

Respirei fundo e comecei a me preparar para o tratamento. Os médicos indicaram a mastectomia bilateral. Esse procedimento faz a remoção do tecido mamário de ambos os seios, é mais agressivo que outras opções de tratamento e prevenção ao avanço do tumor.

Pouco tempo depois de receber o diagnóstico, a cirurgia foi agendada. Minhas mamas foram retiradas e, no lugar delas, foi colocado um expansor. Pelo que entendi, era um balão de silicone inserido sob a pele. Quando o tecido expandisse e ficasse do tamanho desejado, o expansor daria lugar a um implante permanente.

Quem passa por isso entende como é complicado. Sabia de tudo que poderia acontecer durante o tratamento, a queda de cabelo, os efeitos colaterais, e comecei a me preparar.

Mas algo aconteceu no meio do processo. Um mês depois de operar, foi constatada uma infecção bacteriana na região. Eu nem bem tinha me recuperado e fui obrigada a passar por uma segunda cirurgia para retirar o expansor.

Baixa autoestima

Precisei encarar aquela cicatriz. Aí, sim, minha vaidade foi totalmente afetada. Olhava no espelho e sofria com o que eu enxergava. Eu me via mutilada, e até a vida social ficou comprometida. Nenhuma roupa ficava bem em mim. Passei a evitar de sair. Parece até que o mercado de trabalho me olhava de forma diferente. Ficava constrangida. Cheguei a procurar próteses externas em alguns fabricantes, mas eram muito caras.

Não queria ficar esperando outra cirurgia e ainda ter a possibilidade de não dar certo mais uma vez. Tinha que fazer alguma coisa para me sentir mais confortável. Em uma visita ao meu mastologista, escutei uma senhora falar que, no Nordeste, algumas mulheres sem condições financeiras faziam suas próprias próteses com material alternativo, usando arroz, alpiste ou aquelas espumas que preenchem almofadas. Me interessei pela opção do alpiste e iniciei uma pesquisa. Pensei que poderia colocá-las dentro do sutiã e retirá-las quando quisesse. Fiz muitos testes, usando-me como modelo.

A ideia deu certo! Com apenas dois materiais, alpiste para o preenchimento e meia-calça para embalar o conteúdo, confeccionei minhas próteses. Elas se moldam perfeitamente ao peito. Me senti tão confortável que usei as próteses até o final de 2018, quando operei novamente para colocar um novo expansor.

Minha autoestima voltou, comecei a usar minhas roupas novamente, me senti mais feminina e até fiquei com um novo ânimo para trabalhar. Pegava aquelas mesmas blusas com decotes que evitava e colocava sem problema algum. Ficava certinho no sutiã e era confortável, sem cheiro, não pesava.

Colocar uma prótese de silicone não é tão fácil assim. Primeiro, o custo é alto. Algumas pessoas também ficam traumatizadas e não querem passar por outro procedimento, tendo de encarar hospital, período de recuperação, riscos. Eu mesma agora estou usando o expansor, mas ainda não coloquei a prótese.

Conheço uma menina linda, que não pôde fazer o implante por complicações em decorrência da diabetes; outra não pôde porque tem problemas cardíacos. Então, pensei em auxiliar quem sabia bem o que senti. Foi com essa vontade de ajudar ao próximo que, em 6 de outubro de 2016, surgiu o projeto Mamas do Amor para doação de próteses para o mundo todo.

Hoje somos uma rede de voluntários e empresas parceiras. Trabalhamos na confecção e distribuição das peças e realizamos palestras. Já distribuímos cerca de 8.000 próteses em vários estados do Brasil e para algumas regiões dos Estados Unidos, África e em países da América Central. Muitos nos procuram através das redes sociais. Realizamos oficinas, onde ensinamos como construir e fazer a manutenção. Estou feliz por me dedicar ao instituto e ainda atuar como advogada na minha imobiliária. Se puder faço ainda mais, precisamos sempre nos ajudar.

Quem desejar confeccionar sua própria prótese pode seguir nossas dicas no site Mamas do Amor. É necessário um par de meias de náilon 3/4, nova, um medidor, tesoura e alpiste. A durabilidade é de um ano."