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Paola Machado

Uma corrida curta e intensa é melhor para a saúde do que uma corrida longa

Paola Machado

26/11/2018 04h00

Crédito: iStock

Quando você realiza atividade física, causa um "estresse" em seu organismo. E esse "estresse" pode ser saudável ou não. Estudos mostram que exercícios intensos de curta duração ou moderados não muito longos –uma corrida confortável de até cerca de 1 hora e 15 minutos, por exemplo — fazem com que nosso corpo responda de forma saudável no que diz respeito ao sistema imunológico, responsável por defender organismo de agentes externos nocivos.

ao realizar atividades de longa duração, acima de 1 hora e 15 minutos, induzimos o organismo a um estresse enorme –principalmente se o indivíduo não é bem treinado e nem tem uma orientação de um profissional. Isso faz com que ocorra uma redução da eficácia do sistema de defesa, facilitando que você sofra com resfriados, gripes, bronquites e várias outras doenças vinculadas a este treinamento intenso e não supervisionado.

Entenda o sistema imunológico

A imunidade é a capacidade do organismo de reconhecer substâncias ou qualquer outro agente estranho ao corpo, promovendo uma resposta contra eles, a fim de eliminá-los. Isso ocorre por meio de reconhecimento, metabolização, neutralização e eliminação de substâncias consideradas estranhas ao organismo (vírus, bactérias, fungos), protegendo-o contra doenças, em particular, infecciosas.

O sistema imunológico pode gerar dois tipos de respostas:

  • Celular: composta por macrófagos e outros fagócitos como os neutrófilos, que realizam quimiotaxia, fagocitose, sintetizam citocinas e atuam ainda como células apresentadoras antígenos para os linfócitos;
  • Humoral: se refere ao sistema linfocítico-macrofágico, que promove a defesa específica mediada por mecanismos complexos como a produção de anticorpos.

O sistema imunológico é complexo e não vou me aprofundar na explicação sobre macrófagos, linfócitos, interleucinas, anticorpos etc. O importante é você entender que, na ocorrência de um quadro inflamatório, há participação direta destas células imunológicas para combater os antígenos e proteger o corpo.

Quando o organismo se depara com uma lesão tecidual, por exemplo, causada por bactéria, trauma, substâncias químicas, calor ou qualquer outro fenômeno, múltiplas substâncias que induzem mudanças secundárias dramáticas nos tecidos são liberadas pelo tecido lesado. O conjunto total das mudanças teciduais é chamado de inflamação.

O que a imunidade tem a ver com o exercício?

Tudo. A relação com o sistema imunológico é alvo de investigações desde o início do século XX. Em 1902, Larrabee observou acentuada leucocitose "do tipo inflamatória" em participantes da Maratona de Boston (EUA), devido, principalmente, ao aumento do número de neutrófilos. Estudos epidemiológicos realizados cerca de 50 anos depois sugeriram que o treinamento de longa duração pode ter efeito imunossupressor, enquanto que o treinamento com duração moderada pode estar associado à menor incidência de infecções, especialmente as oportunistas.

Nesse sentido, uma grande variedade de trabalhos científicos demonstra que o exercício físico induz consideráveis alterações no sistema imunológico, sendo que isso pode ser em decorrência da intensidade, duração, frequência e do tipo de atividade realizada.

Em situações de estresse mecânico, como durante o exercício, substâncias vasodilatadoras são liberadas pelo tecido injuriado, extravasando enzimas, como creatina quinase (CK) e lactato desidrogenase (LDH) e proteínas (mioglobina, troponina 1 e fragmentos de MHC). Em seguida, ocorrem adesão e migração dos leucócitos do sangue para o local danificado. Nas primeiras horas, os neutrófilos iniciam a regeneração tecidual. Após seis a oito horas, monócitos migram para o local e no tecido são convertidos em macrófagos, liberando subprodutos (prostaglandinas, histaminas, cininas e potássio) os quais são sinalizadores de dor.

Estudos apontam que o exercício, notadamente o de duração inferior a 1 hora e 15 minutos, parece ser benéfico para a resposta imune, pois melhora a função de diversas células imunológicas, tais como linfócitos, monócitos, neutrófilos e células natural killers (NK) e diminui a incidência de infecções oportunistas. Já o exercício de longa duração está associado a efeitos adversos sobre a resposta imune, levando à imunossupressão, ou seja, redução da ação do sistema de defesa do nosso organismo, sendo que estudos epidemiológicos demonstram aumento de infecções no trato respiratório superior e aumento severo de infecções.

Mas por que isso acontece?

Duas hipóteses, não excludentes, são descritas para explicar o efeito imunomodulador do exercício físico. A primeira hipótese diz respeito ao papel dos hormônios de estresse na modulação da resposta imune durante e após uma sessão de exercício físico –esses hormônios, tais como a catecolaminas e o cortisol, sofrem grande influência do exercício físico. A segunda hipótese diz respeito ao papel da glutamina, que é um substrato indispensável para as células do sistema imunológico.

A hipótese neuroendócrina se baseia em estudos demonstrando que as células do sistema imunológico expressam receptores para diversos hormônios, tais como, as catecolaminas, o cortisol, a b-endorfina, o hormônio do crescimento e os hormônios sexuais.

O cortisol, um hormônio imunossupressor, exerce forte influência sobre as células do sistema imunológico. Entretanto, no exercício, ao contrário das catecolaminas, que têm ação imediata, o cortisol parece agir tardiamente, tendo papel de destaque no período de recuperação. As catecolaminas, por sua vez, têm suas concentrações elevadas no início e permanecem elevadas ao longo de todo o exercício, havendo um processo de migração celular. Estudos pontuam que concentrações muito elevadas in vivo são responsáveis pela imunossupressão e seus efeitos sobre o sistema imune são responsáveis pelas alterações imunológicas observadas durante o exercício, sendo as grandes moduladoras da leucocitose.

Com relação à hipótese da glutamina –glutamina produzida pelo nosso organismo e não a suplementação, que deixarei para um próximo texto –, estudos clássicos demonstram que a importância da glutamina para linfócitos e macrófagos é evidenciada pela elevada atividade da enzima glutaminase e de outras enzimas da via glutaminolíticas e que, na ausência ou diminuição da concentração plasmática de glutamina, ocorre um impedimento parcial da função imunológica, levando à imunossupressão, como demonstrado em quadros patológicos) e após exercícios de intensidade moderada, porém de longa duração.

A relação entre a glutaminemia e exercício físico é a mais frequentemente utilizada por pesquisadores para explicar os efeitos do exercício sobre a resposta imune. Tais observações deixam claro que existe forte relação entre metabolismo e função nessas células e que, na condição onde há quebra da homeostase, com diminuição da concentração plasmática de glutamina, a funcionalidade de células do sistema imunológico fica comprometida podendo resultar em imunossupressão.

Exercícios de longa duração, mesmo que realizados em intensidades moderadas, podem levar a um quadro de imunossupressão ao término da atividade. Tal situação se deve a vários motivos, incluindo o efeito imunossupressor do cortisol que sofre acentuado aumento durante o exercício, notadamente, de longa duração.

Em 2006, o estudioso Malm postulou o quadro imunomodulador do exercício com a "curva em S", diferindo da "curva em J" pelo acréscimo do grupo atletas de elite. Mostrou que o exercício moderado leva a uma menor incidência de infecções, enquanto exercícios longos podem levar à redução da atividade do sistema imunológico, e em atletas de elite esta redução da atividade imunológica é menor quando comparadas a treinamentos intensos, talvez pelo fato de serem profissionais e o organismo estar adaptado a treinos vigorosos.

O exercício por si só é um estresse para nosso organismo, por conta da quebra da homeostase, resultando em alterações fisiológicas. Quando realizamos esforços repetitivos, sejam agudos, sejam crônicos, em ambientes com situações adversas como temperaturas extremas, altitudes elevadas, baixa umidade dentre outros, as alterações no sistema imunológico ocorrem de forma mais acentuada.

Um dos motivos de lesões em exercícios longos são as espécies reativas de oxigênio. No início do exercício liberamos radicais livres e eles são combatidos pelos antioxidantes. Com o passar do tempo, o nível de antioxidantes (incluindo vitamina A, E, e C, glutationa, ubiquinona e flavonoides) no organismo diminui, mas a liberação de radicais livres continua. Sendo assim, as defesas antioxidantes tornam-se prejudicadas podendo aumentar o nível de lesão celular nas células musculares.

Portanto, se você realiza treinos de longa duração, opte por uma alimentação rica em antioxidantes. Atletas que participam de corridas longas necessitam de devida atenção e orientação multiprofissional (nutricionista, educador físico, médico do esporte), que vão elaborar a melhor estratégia para evitar, ao máximo, o quadro de imunossupressão.

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Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.