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"Fui infectada com HIV pela minha mãe, mas minha filha nasceu sem o vírus"

Jade Barboza - Acervo pessoal
Jade Barboza Imagem: Acervo pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para Universa

18/09/2018 04h00

Jade Barboza, 24, nasceu soropositiva. Infectada com HIV pela mãe durante o parto, a estudante teve uma vida marcada pelo preconceito. Ela perdeu colegas, namorados e um paquera chegou a dizer que ela era um “risco”. Em 2013, Jade engravidou e a filha Lisa, 4, nasceu sem o vírus. Leia a depoimento dela:

“Eu nasci com HIV. Tive a transmissão vertical do vírus pela minha mãe durante o parto. Desde bebê, fazia acompanhamento médico e tomava medicação. Eu fui uma criança com a saúde frágil, vivia doente e ficava internada com frequência.

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Minha mãe faleceu de câncer quando eu tinha oito anos. Aos dez, perguntei ao meu pai por que eu tinha que tomar remédio todos os dias. Ele explicou que eu tinha um vírus, chamado HIV, que não tinha cura e que era controlado com medicação. Ele me disse para não contar para ninguém, pois as pessoas poderiam não entender e ter preconceito.

Meu namorado terminou comigo, espalhou para a escola que eu tinha HIV e eu parei de estudar

Aos 15 anos, queria iniciar minha vida sexual e contei para o meu namorado. Ele ficou em choque e, dias depois, terminou comigo, alegando que não estava bem. Ele contou para um amigo e a notícia se espalhou pela escola. As pessoas se afastaram e pararam de falar comigo.

Eu não entendia o motivo, até que uma amiga me disse que o meu ex tinha falado que eu queria transar com ele, mas que eu tinha HIV e não ia rolar. Não consegui mais encarar aquele ambiente e larguei os estudos.

Eu não aceitava ser soropositiva. Pensava que ninguém ia querer namorar comigo, que não iam gostar de mim por eu ser doente e que ficaria feia por causa dos efeitos colaterais da medicação.

Coloquei na cabeça que, se fosse para ficar sozinha, era melhor nem viver. Eu desgostei da vida e parei de tomar os remédios escondida do meu pai.

Após um período, minha imunidade baixou e as doenças oportunistas se manifestaram. Tive pneumonia, herpes, meningite. Eu tinha raiva da minha mãe por ter HIV. Eu a culpava por isso.

Aos 16, perdi a minha virgindade e não contei para o meu namorado, para evitar conflito e julgamento. Ele usava preservativo. Eu também era vítima de preconceito mesmo sem ter contato sexual. Teve uma vez que um paquera me perguntou se era verdade que eu tinha aids.

Eu falei que não, que tinha HIV e expliquei a diferença. Ele disse que era tudo a mesma coisa e falou para eu não procurar namorado, porque eu era um risco. Teve uma outra situação em que o menino disse que não parecia que eu era portadora do vírus porque eu não era magra nem tinha cara de doente.

Ele falou que não tinha nada contra, mas que não correria o risco de ser infectado e rompeu comigo.

Tive uma gravidez não planejada e morria de medo da minha filha ter o vírus

Em 2010, conheci o pai da minha filha e contei para ele da minha condição. Ele disse que gostava de mim e que isso não interferiria no nosso relacionamento. Nós concordamos que faríamos sexo sem camisinha. Ele iniciou um acompanhamento com o infectologista, só para fazer exames de três em três meses. Não tomou PrEP, mas nunca contraiu o vírus. Ficamos juntos por seis anos.

Nesse período, engravidei. Fiquei apavorada da minha filha ser infectada e de ocorrer o mesmo que aconteceu com a minha mãe e comigo. Meu pré-natal foi complicado. Eu ficava enjoada e não conseguia tomar o coquetel de remédios. Eu me sentia fraca, cansada e desanimada.

A Lisa nasceu no dia 28 de dezembro de 2013, de parto cesárea. Foi um alívio saber que ela não era soropositiva. Fiquei muito feliz. No início, me lamentei de não poder amamentá-la pelo risco de contaminação, mas, depois superei, pois o importante era ela ser saudável.

Aprendi a lidar com o HIV, me libertei e sou feliz

Passei a aceitar o HIV quando deixei o passado para trás e perdoei a minha mãe. Ela não tinha culpa. Não podia mais perder tempo reclamando. Eu me conscientizei de que eu tinha uma filha para criar e não podia adoecer. Queria educá-la e vê-la crescer.

Comecei a frequentar as palestras da Fundação Poder Jovem e da Rede de Mães Positivas, que que acolhem portadores de HIV, mães e pessoas que convivem com esses pacientes. Parte da sociedade ainda é desinformada e faz muita confusão com HIV e aids. Vi a necessidade de falar abertamente sobre o assunto e me libertei.

Há coisas ruins que precisamos carregar na nossa caminhada, mas quando aprendemos a lidar com elas, somos livres para ser feliz. Foi assim com o HIV. Hoje em dia, faço meu tratamento, cuido da Lisa, tenho amigos, faço faculdade, sou solteira e tenho uma vida normal”.

HIV e AIDS são a mesma coisa?

HIV é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana, que tem a capacidade de atacar as células de defesa do corpo e causar doenças graves, caso o diagnóstico e tratamento não sejam realizados.

As principais formas de transmissão são: através de relação sexual, transfusão de sangue, compartilhamento de agulhas, acidente com material biológico, gravidez e amamentação.

HIV e aids não são a mesma coisa. A aids (síndrome da imunodeficiência adquirida) é uma condição de doença causada pela queda importante da imunidade, que a infecção pelo HIV acarreta ao longo dos anos. A aids não costuma ocorrer quando o paciente faz o diagnóstico precoce e inicia o tratamento medicamentoso.

Como ocorre a transmissão vertical do HIV? Uma mulher soropositiva pode ter filhos?

A transmissão vertical é a infecção pelo HIV passada da mãe para o filho, que pode ocorrer durante a gestação, na amamentação ou no parto. Uma mulher soropositiva pode engravidar e ter filho sem transmitir o vírus a ele. Para isso, ela deve fazer um acompanhamento médico rigoroso e o uso correto das medicações. A gestante fica com a quantidade de vírus circulando no sangue em uma dose tão baixa, que protege o bebê de uma possível infecção. Além disso, cuidados especiais são realizados na hora do parto.

Fonte consultada: Dr. Ralcyon Teixeira, médico infectologista, diretor médico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas