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Paola Machado

Ovo era ruim, agora faz bem. Como entender e questionar estudos científicos

Paola Machado

20/07/2018 04h00

Crédito: iStock

Sempre leio os comentários e costumo refletir sobre pontuações pertinentes e construtivas. Esses dias um leitor pontuou: "Falam que pode tomar leite e depois não pode mais. Depois falam que não pode comer ovo, mas na sequência falam que é ótimo. Afinal, no que eu acredito?".

Corta ovo, corta leite, corta gordura, corta carboidrato, corta glúten. Volta ovo, volta leite, volta gordura, volta carboidrato, volta glúten. É  difícil mesmo não ter dúvida do que fazer.

Temos estudos para todos os gostos e para provar tudo o que você acredita. Você vai encontrar estudos falando bem de carboidrato, e estudos falando mal de carboidrato. Uns defendendo o leite e outros dizendo que ele não é bom.

Já disse aqui que não é simples interpretar a literatura científica por inúmeros motivos. Vou pontuar algumas informações que você deve prestar atenção:

  • Como pesquisadora posso dizer que a todo momento, durante todo estudo, tentamos afirmar nosso principal objetivo, afinal, são anos e anos estudando o tema. Por esse motivo, é natural enaltecermos o que deu certo em detrimento do que não teve resultado.
  • Há estudos que contam com apoio e patrocínio da indústria (seja ela alimentícia, seja farmacêutica). É claro que muitos têm resultados positivos, porém alguns podem ter sido manipulados sem ao menos você perceber.
  • O número de voluntários deve ser significante. Será que um estudo com 10 pessoas pode ditar o que será efetivo ou não para uma população?
  • Quanto tempo durou esse estudo? Fizeram um follow-up anos após o estudo para observar o estado das pessoas submetidas ao teste?
  • Os resultados devem ser significantes estatisticamente, porém, às vezes, a ciência comprova que não funciona e a prática diz que funciona. E agora eu questiono: como analisar tudo isso?

Ler um artigo não é tão simples, não é fácil e você não terá suas respostas lendo uma única publicação científica ou somente o resumo. A leitura faz você abrir caminhos e construir uma opinião. Para eu ter certeza de toda minha linha de raciocínio e a linha profissional que sigo, leio muito há muitos anos.

Podem ter certeza que tenho uma opinião concreta sobre os meus pensamentos por ter estudado. Não sou um vai e vem de opinião, não serei a pessoa que uma hora tem uma visão e em outro momento, só porque alguém falou alguma coisa ou saiu um estudo contrapondo o que acho, mudarei minha opinião. Porém, é claro que posso refletir, amadurecer o pensamento e ter outras crenças em determinado momento da vida.

Por esse motivo temos que combinar a crença com a ciência e a prática.

"Eu acredito que o carboidrato faz mal." É ok você acreditar, mas é importante ler muito sobre isso. Estude mesmo, busque referências que digam que realmente não é benéfico e outras que provem que faz bem. Depois coloque tudo no papel, avalie se de fato procede, se questione, questione os estudos. Também busque casos de pessoas que estão décadas em restrição, tire suas dúvidas, crie vieses. Por fim, siga uma opinião baseada em evidências e não porque "ouviu falar".

Mas pode comer o ovo ou não?

Agora vou falar um pouco sobre o que eu acredito nessa história toda.

A reeducação alimentar com fracionamento da alimentação, mastigação, qualidade do alimento, de fato é o mais satisfatório, mas é generalista. Tão importante quanto tudo isso está a questão de que as pessoas não conhecem o próprio corpo, não têm a consciência que o alimento que é ótimo para um, pode não ser para outro. É normal que as pessoas elejam exemplos de vida e superação e, com eles, repliquem rotinas de sucesso. Porém, muitas das vezes essa não é uma estratégia. O treinamento e alimentação são individuais.

Quando falo com vocês não sei de fato com quem estou falando. Você pode ser uma pessoa magra, que mal sabe que tem carência de nutrientes; você pode ser um intolerante; um obeso; uma grávida; um idoso. Você entende que não consigo falar só com você? Impossível! Não sei como está seu colesterol, se precisa de reposição de cálcio, se pode ou não fazer  um exercício de impacto. Estou falando com pessoas que não conheço, não posso generalizar, não sei como interpretam este texto e o que vão sair fazendo da internet para a vida.

Isso se chama responsabilidade. É necessário passar a informação com cautela.

Antes, para você ter acesso a uma nova publicação científica tinha que procurá-la dentro da biblioteca da faculdade. Agora, está tudo muito exposto e os leigos podem interpretar um texto de forma equivocada e sair fazendo o que quiser.

A maioria das pessoas não consegue comer, por exemplo, só um quadradinho do chocolate amargo e acabam comendo a barra inteira. É muito mais fácil falar que o alimento faz mal do que dizer que você comeu mais do que devia, não acha? O alimento não tem boca, então não tem como falar: "Não fui eu!". Por isso, as pessoas acabam "vilãnizando" alimentos específicos.

*Por favor, leiam o texto pensando em alimentos de verdade, não em um saquinho de salgadinhos industrializados, nem refrigerante, nem todas essas coisas que realmente podem trazer prejuízos à saúde, ok?*

Agora eu pergunto: quanto tempo você consegue viver restringindo esse alimento ou grupo alimentar que decidiu deixar de comer? Você já parou para pensar que tudo o que para de ingerir por um período longo de tempo, quando você voltar a comer poderá ser estranho para o organismo? Você já pensou que pode dosar em vez de tirar?

A restrição calórica e alimentar deve ser supervisionada e orientada. Não usem o que lêem como regra. Para precisar retirar um nutriente de fato da sua alimentação (ou da alimentação de todo o mundo) são necessários estudos e mais estudos, é preciso colocar uma população em restrição, reintroduzir, ver o que acontece, analisar anos de testes, efeitos colaterais, ação em diferentes organismos, etc, etc, etc… Não é um estudo com meia dúzia de voluntários em um período supercurto que comprovará a eficácia de tal conduta.

Ouça os profissionais que você confia. Comece a olhar para seu prato, para seu treino e para você. Leia bons conteúdos e desfrute de boas dicas. Você é capaz de entender seu corpo mais do que ninguém e assim passará informações preciosas sobre você para seu médico, nutricionista, educador físico, enfim, profissional da saúde.

Lembre-se: o que você para de consumir torna-se estranho para seu corpo. Se você não tem nenhum problema com esse alimento ou grupo alimentar, qual o motivo dessa escolha? Se foi achando que é para ganhar saúde, cuidado para não acabar criando um problema.

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.