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O caso de bullying que levou uma jovem médica a tirar a própria vida

Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

Da BBC

29/05/2019 12h43

Suicídio de Payal Tadvi, de 26 anos, revela a discriminação de castas em um lugar improvável: uma universidade no centro financeiro da Índia.

Três médicas foram presas em Mumbai, na Índia, acusadas de práticar bullying contra uma colega de faculdade que acabou se suicidando, conforme mostra reportagem de Janhavee Moole e Pravin Thakre, da BBC Marathi.

"Eu costumava dizer que era mãe da Dra. Payal. Mas o que eu vou dizer agora?", questiona Abeda Tadvi, mãe da vítima, aos prantos.

Payal Tadvi, de 26 anos, tirou a própria vida no dia 22 de maio, após ter sido perseguida durante meses por causa da sua casta - ela pertencia a uma Tribo Catalogada, status atribuído a tribos historicamente desfavorecidas na Índia.

A família de Payal acusou três veteranas da filha na faculdade de medicina - todas mulheres - de assediá-la nos meses que antecederam sua morte.

A polícia, que está investigando o caso, prendeu as suspeitas na terça-feira, segundo informou o vice-comissário, Abhinash Kumar, à BBC.

Elas negaram, no entanto, as acusações, alegaram que estavam sendo acusadas "injustamente" ?e pediram "justiça", em comunicado publicado pela agência de notícias ANI.

O Topiwala Medical College também abriu um inquérito para investigar as denúncias. E o Nair Hospital, filiado à universidade, onde elas trabalhavam, suspendeu as acusadas.

A morte de Payal chocou seus colegas e amigos, que protestaram em frente ao hospital e exigiram justiça em seu nome. E revela a persistência da discriminação de castas em um lugar improvável - uma universidade em Mumbai, centro financeiro da Índia e, possivelmente, a cidade mais urbanizada do país.

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Payal era de Jalgaon, no norte do Estado de Maharashtra. Ela se casou com Salman Tadvi, que é médico em Mumbai, e se mudou para a cidade com o intuito de obter um diploma de pós-graduação em medicina.

Ela estava estudando para ser ginecologista no Topiwala Medical College. E sempre quis ser médica, segundo sua mãe. Seu sonho era poder oferecer os melhores cuidados de saúde para os pobres da tribo.

A jovem pertencia à tribo Tadvi Bhil, uma das mais de 700 Tribos Catalogadas na Índia. Os membros dessas tribos - que somam cerca de oito milhões pessoas, segundo o último censo de 2011 - têm direito a uma política de cotas, como uma forma de reparação dos erros da duradoura hierarquia de castas da Índia.

Payal foi admitida na faculdade sob o sistema de cotas das Tribos Catalogadas. E Abeda diz que estava muito orgulhosa da filha, que alcançou tantas conquistas, apesar da sua casta e de quão pobre sua família era.

'Eles zombavam dela por pequenas coisas'

Abeda diz que Payal contou a ela sobre a perseguição que vinha sofrendo por parte de três veteranas.

"Ela disse que elas a ridicularizavam na frente dos pacientes por pequenas coisas. Elas a insultavam com calúnias, jogavam prontuários na cara dela. E disse que elas nem sequer permitiam que ela fizesse suas refeições em paz."

Elas também teriam ameaçado impedi-la de praticar medicina.

Abeda, que está fazendo tratamento contra câncer, costumava frequentar o Nair Hospital, onde Payal trabalhava, porque era filiado à sua universidade.

Ela conta que raramente conseguia passar um tempo com a filha, que estava sempre ocupada - então, observava de longe.

"Eu vi o jeito que ela estava sendo tratada e decidi reclamar, mas Payal me impediu", diz.

Payal temia que uma reclamação pudesse prejudicar a carreira das três colegas - e que elas acabariam a assediando ainda mais por isso.

Mas em dezembro de 2018, Abeda e Salman finalmente conversaram com outros veteranos e professores sobre o assédio que Payal dizia estar enfrentando.

Eles exigiram que Payal fosse autorizada a trabalhar com uma equipe diferente. Ela foi transferida, diz a mãe, e pareceu um pouco aliviada depois disso.

Mas, de acordo com ela, o assédio logo recomeçou e por volta do dia 12 de maio, Abeda registrou uma queixa por escrito.

"Mas eles não levaram a sério", alega.

Dez dias depois, Payal se suicidou.

'É triste e trágico'

A morte da jovem acendeu o alerta sobre a ocorrência generalizada de bullying em escolas e universidades em toda a Índia. A prática é proibida, mas continua acontecendo. E estudantes de castas mais baixas muitas vezes são o alvo.

O Nair Hospital criou uma comissão para investigar as denúncias e deve apresentar um relatório em breve, informou Ramesh Bharmal, reitor da Universidade de Topiwala, à BBC.

"É triste e trágico. Estamos extremamente chocados. Como isso pode acontecer? O que poderíamos ter feito e o que devemos fazer agora? Tudo isso poderia ter sido evitado", acrescenta.

Salman diz que conheceu Bharmal, que perguntou a ele por que ninguém havia se dirigido ao escritório do reitor. Salman afirmou que eles haviam conversado com o pessoal do departamento de Payal e que eles haviam seguido o protocolo.

"Por que não fizeram nada?", questiona.

Abeda tem as mesmas perguntas: "O que mais nós deveríamos fazer? Eles não sabem o que está acontecendo na faculdade? Isso estava acontecendo bem na frente deles. Eles deveriam ter investigado isso".

Bharmal diz que a faculdade e o hospital têm um sistema para tratar reclamações de assédio - isso inclui terapia para estudantes, um comitê para investigar reclamações e fiscalizações aleatórias realizadas pelos supervisores.

"Eu não estava ciente. Caso contrário, isso não teria acontecido. Medidas adequadas poderiam ter sido tomadas e isso poderia ser evitado", acrescenta.

'Ela era minha espinha dorsal'

Na casa da família em Jalgaon, onde Payal cresceu, parentes e vizinhos estão todos de luto. Mas se entusiasmam ao falar sobre Payal. Eles se lembram dela como uma jovem inteligente, ambiciosa e trabalhadora.

Segundo eles, Payal decidiu ser médica porque seu irmão mais novo nasceu com uma deficiência física que o impedia de andar; e ela sempre quis ajudar as pessoas.

Abeda diz que o que aconteceu com Payal a fez pensar sobre outros estudantes de castas mais baixas que também estão buscando um futuro melhor.

Ela teme por suas sobrinhas e sobrinhos, além de outras crianças de sua tribo.

"Os pais deles agora vêm até mim e perguntam se devem pedir aos filhos que fiquem em casa porque não confiam nas instituições para cuidar deles", revela Abeda.

"Ela era minha espinha dorsal. Era a espinha dorsal para toda a comunidade. Ela teria sido a primeira médica mulher da nossa tribo. Mas esse sonho agora não será realizado."