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Para evitar leite em pó, mulher dá filho para amiga amamentar

Bebê de Elisa perdia peso e ela não queria usar leite em pó para alimentá-lo - Elisa Albert
Bebê de Elisa perdia peso e ela não queria usar leite em pó para alimentá-lo Imagem: Elisa Albert

19/03/2015 10h12

Elisa Albert e Miranda Beverly são grandes amigas. Em 2005, com alguns dias de diferença, as duas tiveram bebês. Dois meninos.

E o que no início era apenas uma coincidência divertida entre duas amigas acabou ajudando a alimentar um dos bebês, que passava fome. Além de ajudar também a saúde mental de uma das mães, que, apesar de estar sofrendo, recusava-se a alimentar a criança com leite em pó.

De sua casa, perto de Nova York, nos Estados Unidos, Elisa Albert contou à BBC como ela teve de pedir a sua amiga para ajudá-la a amamentar seu filho. Após dois meses, ela não havia conseguido alimentá-lo corretamente e ele estava perdendo muito peso.

Um estudo recente mostrou que crianças que recebem aleitamento materno são mais inteligentes e ganham mais quando adultos.

Desesperada

Em meados de janeiro de 2005, duas semanas após sua amiga Miranda dar à luz um bebê, Elisa teve o filho em casa, depois de 13 horas de trabalho de parto.

No entanto, o sonho de ter um novo membro na família logo se tornou um fator de estresse: seu bebê não ganhava peso, apesar de ser alimentado corretamente.

"Disseram que era normal uma criança perder alguns gramas nos primeiros dias e que ele voltaria ao peso normal", disse ela.

Mas isso não aconteceu. Nas duas primeiras semanas, seu filho continuava a perder peso. Quando resolveu consultar médicos, começaram as contradições e a confusão.

"Um médico disse que havia um problema na forma como a boca do meu filho se encaixava no meu mamilo. Outro me disse que meu leite não era nutritivo e outro sugeriu que eu tinha um problema anatômico. Eu não sabia em quem acreditar."

Enquanto isso, ela continuou retirando leite materno para evitar que seu filho morresse de fome. Sua mãe, que a estava visitando e nunca havia amamentado, sugeriu que o neto tomasse leite em pó especial para bebês.

Foi o mesmo conselho que um dos médicos havia dado. Mas ela foi irredutível na defesa da amamentação.

"Eu disse que não. Não queria alimentar meu filho de outra forma. Gosto de pensar que sou uma revolucionária que queria alimentar seu filho com leite materno do peito."

Oferta

Enquanto isso, sua amiga Miranda amamentava seu filho normalmente. Um dia, as duas se encontraram e Elisa relatou o drama da alimentação de seu bebê.

"Minha mãe havia nos amamentado no peito e, muitas vezes, lembrava de como, em algumas comunidades da África, as mulheres compartilhavam os bebês para alimentá-los", disse Miranda à BBC.

"E vendo como a criança estava passando fome, achei que o certo seria oferecer o que eu podia para alimentá-lo. Eu tinha muito leite e poderia fazer isso."

A reação foi cautelosa.

"Já haviam me sugerido ir a um banco de leite em Nova York", conta Elisa. "Mas achei que não estávamos desesperados a esse ponto. A mesma coisa aconteceu com a oferta de Miranda e de outra amiga. Fiquei surpresa, mas disse que não quase instintivamente", fala Elisa.

Na África, há um provérbio que diz que "é preciso um povo inteiro para criar um bebê". As amas de leite eram comuns em sociedades em todo o mundo até o início do século 20.

No entanto, a popularização do leite em pó ou fórmula infantil fez com que essa tradição se perdesse, especialmente em países ocidentais. Só em 2003, com a campanha do Unicef sobre a importância da amamentação, ela recuperou parte do terreno perdido.

Uma noite, depois de várias mal dormidas e esforços inúteis para conseguir alimentá-lo corretamente, o bebê não dormia e só chorava.

"Meu marido e eu tínhamos certeza de que ele chorava por estar com fome. Não havia maneira de acalmá-lo e estávamos realmente esgotados", lembrou ele.

O marido de Elisa se aproximou e disse baixinho, mas com urgência: "chame Miranda".

Solidariedade

"Eu me lembro que liguei pedindo ajuda e a resposta foi simples: 'vem aqui'".

Pela primeira vez em dois meses, Elisa se sentiu em paz. Seu filho mamava no peito de sua amiga. Em dez minutos, adormeceu.

Um momento de silêncio foi seguido por um sentimento de gratidão indescritível.

Miranda conta que ficou surpresa com a reação de algumas pessoas a ajuda que prestou à amiga. "Embora tenha ficado com o peito mais inchado, porque não estava acostumada a isso, para mim era normal. Estava fazendo algo por uma amiga que estava com problemas," diz Miranda.

Mas Elisa não desistiu de amamentar. Ela consultou outro especialista e logo encontrou uma resposta prática para o seu problema: teria de combinar o aleitamento materno com leite em pó até que seu corpo produzisse o suficiente para o bebê. Demorou três meses, mas, finalmente, conseguiu amamentar o seu filho.

Perigo

A prática da amamentação cruzada é proibida pelo Ministério da Saúde no Brasil. O problema, segundo a coordenadora da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, Danielle Aparecida da Silva, é o risco de transmissão de doenças infectocontagiosas, como HIV e hepatite.

A recomendação, de acordo com ela, é que as mães com problemas para amamentar procurem bancos de leite, nos quais, o leite passa por controle de qualidade e processo de pasteurização, que impedem a transmissão de doenças.