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Os pais que tiveram seus bebês trocados na maternidade e se recusam a destrocá-los

Shewali Boro diz que, no início, não acreditou que Riyan não fosse seu filho biológico - BBC
Shewali Boro diz que, no início, não acreditou que Riyan não fosse seu filho biológico Imagem: BBC

Geeta Pandey

da BBC News, na Índia

25/01/2018 10h00

Parece roteiro de um filme de Bollywood.

Dois bebês nasceram no mesmo dia e no mesmo horário e foram acidentalmente trocados na maternidade do hospital. As crianças têm famílias e históricos muito diferentes — um casal de pais é muçulmano, o outro é tribal hindu.

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A reviravolta no enredo? Depois de uma longa disputa com as autoridades, dois anos e nove meses depois saíram os testes de DNA... e os meninos se recusam a deixar os pais que os criaram.

Essa história aconteceu no Estado de Assam, no noroeste da Índia. E nesta quarta-feira, os casais se apresentaram à Justiça para confirmar que, sim, vão continuar criando os filhos não-biológicos.

"Esse bebê não é nosso"

Shahabuddin Ahmed conta que levou sua mulher, Salma Parbin, ao Hospital Mangaldai às 6h de um dia de março de 2015. Uma hora depois, ela deu à luz em um parto normal. No dia seguinte, recebeu alta.

"Uma semana depois, minha mulher me disse: 'esse bebê não é nosso'. Eu respondi: 'o que você está dizendo? Não deveria falar assim de uma criança inocente'. Mas minha mulher disse que havia uma mulher da tribo Bodo na sala de parto e que ela achava que nossos bebês tinham sido trocados", afirma Ahmed.

"Eu não acreditei, mas ela continuou insistindo."

Salma Parbin diz que suspeitou desde o início que Jonait não era realmente seu filho.

"Quando vi seu rosto, tive dúvidas. Lembrei do rosto da outra mulher na sala de parto, e ele lembrava ela. Dava para perceber pelos olhos — ele tem olhos pequenos, ninguém na minha família tem olhos assim."

Shahabuddin Ahmed e sua mulher, Salma Parbin, decidiram não destrocar as crianças - BBC - BBC
Shahabuddin Ahmed e sua mulher, Salma Parbin, decidiram não destrocar as crianças
Imagem: BBC

Quando Ahmed disse ao gerente do hospital sobre as suspeitas de sua mulher, ele respondeu que ela estava com problemas mentais e precisava de ajuda psiquiátrica. O pai então entrou com um pedido de acesso à informação pedindo detalhes sobre os bebês nascidos perto das 7h daquele dia no hospital.

Um mês depois, ele recebeu detalhes sobre sete mulheres. Olhando os dados, decidiu checar a "mulher tribal", já que havia muitas semelhanças entre os dois partos — ambos os bebês eram do sexo masculinos, pesavam 3 kg e tinham nascido com cinco minutos de diferença.

"Fui à cidade deles duas vezes, mas não tive coragem de visitar sua casa", diz Ahmed.

"Então escrevi uma carta. Disse que minha mulher acreditava que nossos bebês tinham sido trocados e perguntei se eles também suspeitavam disso. Escrevi meu telefone no fim da carta e pedi para que eles me ligassem."

O encontro

O outro casal, Anil e Shewali Boro, vivia com seu bebê, Riyan Chandra, a cerca de 30 km de distância da casa de Ahmed.

Eles não suspeitavam de que seu filho tivesse sido trocado até receber a carta de Ahmed. Boro não acreditava que isso fosse possível, nem sua mulher ou outros membros da família. Mas as coisas mudaram quando as duas famílias se encontraram.

Riyan não sai de perto de Shewali Boro nem por um minuto - BBC - BBC
Riyan não sai de perto de Shewali Boro nem por um minuto
Imagem: BBC

"Na primeira vez que o vi, percebi que ele se parecia com meu marido. Fiquei muito triste, chorei. Somos da tribo Bodo, não nos parecemos com outras pessoas de Assam ou com muçulmanos. Nossos olhos são levemente puxados, nossas bochechas são mais pronunciadas e nossas mãos, mais gordinhas. Somos diferentes, temos características mongóis", diz Shewali Boro.

Salma Parbin diz que quando viu Riyan pela primeira vez, sabia que era seu filho. Queria fazer a troca de volta ali mesmo. Mas a mulher de Anil Boro rejeitou a proposta.

Graças à insistência de Ahmed, o hospital começou uma investigação sobre o caso. Mas depois de consultar uma enfermeira que trabalhou no dia do parto, eles negaram qualquer irregularidade.

Não convencido, Ahmed mandou amostram de sangue de sua mulher e da criança para um teste de DNA em agosto de 2015. Quando o resultado veio, eles tiveram certeza: não havia semelhança genética entre Salma Parbin e Jonait.

Os choros decisivos

Depois de o hospital dizer que o teste não era aceitável na Justiça, Ahmed procurou a polícia em dezembro daquele ano.

O delegado Hemanta Baruah, que investigou o caso, disse à BBC que buscou os registros dos nascimentos no hospital e visitou as duas famílias.

Salma Parbin suspeitou desde o início de Jonait não fosse seu filho biológico - BBC - BBC
Salma Parbin suspeitou desde o início de Jonait não fosse seu filho biológico
Imagem: BBC

Em janeiro de 2016, ele levou amostras de sangue das duas crianças e dos dois casos para Calcutá, mas o laboratório se recusou a fazer o teste por causa de um erro no formulário.

"Então coletamos amostras novamente em abril do ano passado, eles foram testados em um laboratório na capital do Estado, Guwahati, e tivemos os resultados em novembro. Eles provaram que a acusação de Ahmed de que os bebês tinham sido trocados era verdade."

O policial então aconselhou Ahmed à levar o caso à Justiça e pedir que um juiz determinasse a troca dos meninos. Mas em 4 de janeiro, quando as famílias foram ao tribunal para realizar a troca, os garotos se recusaram a deixar os pais que os haviam criado.

"O juiz disse que se quiséssemos fazer a troca, nós poderíamos, mas no fim dissemos que não iríamos trocar. Porque os criamos pelos últimos três anos, não podemos simplesmente deixá-los agora", diz Salma Parbin.

"Além disso, Jonait estava chorando. Ele estava no colo do meu cunhado, e o agarrou com força. Jogou os braços ao redor do seu pescoço e se recusou a soltar."

Riyan também agarrou o pescoço de Shewali Boro, começou a chorar e se recusou a ir.

Família Boro diz que destrocar as crianças agora seria muito doloroso - BBC - BBC
Família Boro diz que destrocar as crianças agora seria muito doloroso
Imagem: BBC

"Vão levar ele embora?"

Anil Boro diz que destrocar os garotos agora poderia ser prejudicial à sua saúde emocional — as crianças seriam jovens demais para entender o que está acontecendo.

Ao visitá-las, fica claro que são muito apegadas às famílias com quem tem vivido. E que a afeição é recíproca.

Quando a BBC entrevistou a família Boro, na semana passada, a avó tinha levado Riyan para longe. Tinha medo de que ele fosse separado da família.

Uma hora depois, o tio o trouxe de volta. A avó voltou um pouco depois, com um monte de pequenos peixes para dar à criança.

Riyan foi alegremente sentar ao lado da avó, que perguntou ansiosamente: "Tem algum problema? Vão levar ele embora?".

O tio também se mostrou refratário à ideia da troca: "Olha o rosto dele, ele é tão adorável. Como poderíamos dá-lo embora?"

Riyan não sai de perto da mãe de criação, Shewali Boro.

Jonait também já está apegado e integrado à família Ahmed.

"No dia que estávamos indo para o tribunal para trocá-lo, minha filha de oito anos me disse: 'Mãe, por favor, não dê ele. Eu vou morrer se ele for embora", conta Salma Parbin.

Manamati Boro, avó de Riyan, ainda tem medo de que a criança seja levada da família - BBC - BBC
Manamati Boro, avó de Riyan, ainda tem medo de que a criança seja levada da família
Imagem: BBC

Questionado sobre a possibilidade de as diferenças religiosas entre as famílias poderem se tornar um problema algum dia, Ahmed diz que "uma criança é uma criança".

"Ele (Jonait) é um presente de Deus, ele não é hindu ou muçulmano. Todo mundo vem da mesma fonte, do mesmo design. As crianças se tornam hindus ou muçulmanos aqui."

Ahmed diz que os pequenos não conseguiriam se ajustar à rotina de suas famílias biológicas se fossem destrocados agora, já que elas têm estilos de vida, línguas, culturas e hábitos alimentares muito diferentes.

Para as mães, no entanto, o dilema interno é bem visível. Existe um óbvio apego à criança que elas têm criado. Mas a que carregaram na barriga também tem um apelo emocional.

Quando as crianças crescerem, dizem eles, vão poder decidir por si mesmas onde querem viver. No momento, as famílias então tentando se organizar para se encontrarem regularmente, se tornarem amigas — e, de alguma forma, serem parte da vida dos seus filhos biológicos.