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Ensinar a criança a gostar de alimentos saudáveis depende de pequenas atitudes

Convidar a criança para ajudar no preparo da refeição pode ser uma estratégia para fazê-la comer melhor - Thinkstock
Convidar a criança para ajudar no preparo da refeição pode ser uma estratégia para fazê-la comer melhor Imagem: Thinkstock

Simone Sayegh

Do UOL, em São Paulo

10/10/2012 07h34

Não tem mãe que já não tenha passado grandes apuros na hora de fazer seu filho comer alimentos saudáveis. Cara feia, boca travada, fugas da mesa, manhas. A simples tarefa de alimentar uma criança pode ser um martírio para pais ou cuidadores. No entanto, segundo Filumena Gomes, pediatra e médica-assistente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP, a família é essencial na formação do paladar da criança. “É o primeiro núcleo social dela, responsável por apresentar os alimentos com suas variedades, formas e cores." 

O paladar é formado desde antes do nascimento –na barriga da mãe, o feto deglute o líquido amniótico– e se estabelece em torno dos dois anos. De acordo com Denise Lellis, pediatra-assistente do Hospital Universitário da USP, há estudos que apontam que as primeiras experiências gustativas dos seres humanos, que acontecem já na 23ª semana de gestação, interferem nas preferências da criança no futuro.

Arte/UOL
Como funciona o paladar

Costuma-se chamar de paladar a função do organismo de distinguir os diversos sabores da alimentação e de reconhecer quais são familiares, ou não, e preferidos.

O paladar é formado a partir do sabor do alimento, do odor, da consistência, da apresentação, da temperatura, ou seja, de todos os fatores que o cercam.

Ao longo da língua, existem diferentes tipos de células sensoriais, denominadas papilas gustativas.

Segundo Denise Lellis, pediatra-assistente do Hospital Universitário da USP, essas células captam quimicamente as características do alimento, transmitindo a informação por meio de impulsos nervosos até o cérebro, que codifica a informação, permitindo identificar os quatro sabores básicos: azedo, amargo, doce e salgado.

“Esse sentido também está associado ao olfato e à visão, em consequência da mediação de células localizadas nas cavidades nasais e nos olhos”, diz a especialista.

O conjunto de sensações táteis da língua associadas ao aroma, à temperatura, ao gosto e à experiência que a pessoa está vivendo, no momento em que prova o alimento, interferem no sabor, por isso ele é sempre tão subjetivo e individual.

Nas crianças, essa característica se intensifica ainda mais. “Se ela engasga ou vomita ao ingerir um alimento, é comum que ela passe a rejeitá-lo por medo de reviver uma situação de estresse.”

Segundo Denise, gestantes com bons e variados hábitos alimentares têm filhos que aceitam melhor os alimentos, enquanto aquelas que consomem muito doce e gordura dão à luz a bebês que preferem o sabor açucarado e rejeitam outras comidas saudáveis.

Os cuidados com a alimentação materna não param por aí. Após o nascimento, é por meio do sabor variado do leite da mãe que a criança vai entrar em contato com novas experiências de paladar. "Se a mãe consumir mais alimentos doces e gordurosos, a tendência é que seu leite fique mais adocicado", diz Vera Valverde, pediatra do Hospital e Maternidade Santa Joana, de São Paulo.

Quando o bebê já não mama no peito, as fórmulas lácteas até o "blindam" contra os hábitos alimentares da mãe. “Mas o leite artificial faz com que a criança não desenvolva um paladar variado, porque tem sempre o mesmo gosto”, fala Filumena.

Depois do leite

Depois da fase da amamentação exclusiva –recomendada pela Organização Mundial da Saúde até os seis meses–, inicia-se a introdução de outros sabores na dieta infantil. Nos dois primeiros anos de vida, a criança precisa de alimentos altamente nutritivos, que garantam quantidades adequadas de proteínas, carboidratos, gorduras, vitaminas e outros micronutrientes.

“Não há alimentos obrigatórios e, sim, nutrientes obrigatórios”, diz Denise. A refeição deve ser preparada, preferencialmente em casa, com pouco sal ou açúcar, e com óleo de origem vegetal, como de canola, milho ou azeite extravirgem. Ao contrário do que diz o senso comum, a maioria das crianças, no primeiro ano de vida, precisa de pouca carne, cerca de 30 g por refeição, apesar de ser a melhor fonte de ferro que existe.

“Oriento as mães a adequar a carne à capacidade de mastigação da criança. Carne branca, por exemplo, é mais fácil de mastigar”, fala Denise. O ovo também substitui a carne como fonte de proteína e pode ser oferecido até duas vezes por semana, se não houver nenhuma restrição como colesterol alto.

Novos sabores

Ao longo do dia, os pais podem oferecer frutas. Primeiro, as naturalmente doces, que, pouco a pouco, podem ser misturadas com as mais azedas, para evitar prováveis caretas. Ao introduzir novos sabores, é importante ter em mente que não há alimentos obrigatórios, que a criança tenha de ingerir mesmo que não goste ou que não seja um hábito da família.

Nesse período trabalhoso de educação alimentar, os especialistas afirmam que o exemplo é a única forma eficaz de ensino. “As crianças imitam as atitudes dos adultos, tanto as boas quanto as ruins”, segundo Denise.  A família deve realizar as refeições junta, evitar jogos, brinquedos e, principalmente, televisão nessa hora, e dispor de alimentos saudáveis à mesa.

A introdução de novos alimentos deve estar acompanhada de produtos já familiares à criança e dentro da rotina. “O novo alimento precisa ser apresentado de oito a 12 vezes, em situações diferentes de preparo, para que ela o reconheça como familiar e o aceite”, diz Filumena.

Denise afirma que o oferecimento de novos alimentos deve ser natural, sem imposições. “Colocar no prato, mostrar o quanto aquilo pode ser gostoso, comer na frente dela e, o mais importante, não substituir”.

Se a criança não aceitar, a mãe não precisa começar uma guerra e forçá-la a comer o que não gosta. A longo prazo, esse tipo de atitude tem efeito contrário no paladar infantil. Assim também devem ser evitados prêmios e barganhas do tipo “se você comer brócolis, eu te dou chocolate”, que destroem a saciedade das crianças e criam maus hábitos.

“Os pais não devem ceder às preferências dos filhos, mas elas precisam ser respeitadas. Fazê-lo comer à força, ou até vomitar, pode ser traumático e causar distúrbios alimentares muito mais sérios no futuro”, explica Denise. Em geral, criança gosta de rotina e não se arrisca a viver uma experiência ruim, por isso, a partir dos cinco anos, ela tende a adotar uma monotonia alimentar.

Fora de casa

É importante que os pais controlem a alimentação do filho, mesmo quando ele está na escola ou creche. “Os pais devem conhecer o que a instituição oferece e exigir alimentos saudáveis e nutritivos”, de acordo com Filumena. Uma escola consciente oferece educação alimentar para seus alunos e cardápios equilibrados. 

Se o seu filho leva lancheira, é importante que ela seja composta de um carboidrato (alimento energético), uma fruta e uma proteína, evitando opções gordurosas e muito doces, de acordo com Patrícia Modesto, nutricionista da Pediatria e CTI-Pediátrico do Hospital Israelita Albert Einstein. E se possível, os pais devem adquirir lancheiras térmicas, que conservam melhor os alimentos.  

Com as crianças maiores (e até a adolescência), o desafio é um pouco maior. Depois de uma certa idade, seu filho não comerá apenas o que você escolheu para colocar na lancheira ou o que a escola definiu como refeição. Ele passará a comprar itens na cantina e, mais velhos, sair com amigos e ir a lanchonetes. “Nas cantinas, a maioria das opções é composta por alimentos industrializados, ricos em conservantes, açúcar, gordura, sal”, diz Patrícia. 

Doce, o maior vilão

O açúcar traz consigo as chamadas "calorias vazias", ou seja, não contém nenhum nutriente, além de ser o principal vilão da cárie infantil e da obesidade. “Quanto mais tarde a criança for apresentada aos doces, melhor para ela”, diz Filumena.

Ela deve ingerir alimentos com açúcar branco refinado, preferencialmente, somente após os dois anos e em ocasiões especiais. O ser humano tem uma preferência natural por esse sabor, que começa com o leite materno, que é levemente adocicado. Mas a oferta excessiva de alimentos doces pode comprometer o paladar.

De acordo com a médica Denise, os doces não precisam ser proibidos, mas não é recomendável que seu consumo seja uma rotina em casa. “Como proibir desperta a curiosidade, o melhor caminho é consumir pequenas quantidades, de vez em quando, ensinando à criança que um pedaço pequeno é suficiente para ela se sentir saciada.”

Vera, do Hospital Santa Joana, sugere substitutos ao açúcar branco refinado quando a mãe julgar imprescindível adoçar algo para o filho. "Ela pode usar dextrose de milho, açúcar mascavo ou orgânico." 

Atitudes para melhorar a alimentação de seu filho

Educar o paladar infantil envolve a aplicação de ações que definem os hábitos alimentares por todo o crescimento. São atitudes práticas e conscientes que ajudam a criança a se alimentar de maneira mais saudável e prazerosa:

- Nas idas ao pediatra, acompanhe os gráficos de peso, de estatura e o IMC (Índice de Massa Corpórea), padrão internacional para avaliar o grau de obesidade. Essa é a melhor forma de saber se a situação é preocupante ou não;

- Respeite os horários das refeições: a criança deve se alimentar seis vezes por dia (café da manhã, lanche, almoço, lanche, jantar e lanche). Sendo importante estabelecer uma rotina. Quanto mais acostumada a ela, melhor seu filho comerá;

- Crianças muito pequenas devem ter as escolhas alimentares controladas. Alimentos inadequados não devem ser oferecidos no dia a dia. Após os seis ou sete anos, se bem orientadas, elas já podem escolher sozinhas;

- Tenha muita atenção às porções no prato: é importante não exagerar na quantidade;

- Não faça malabarismos: a criança precisa aprender que comer é importante e gostoso. Ela precisa experimentar e sentir os sabores dos alimentos, portanto evite misturá-los. 

- Se você já ofereceu duas vezes, e seu filho demonstrou não querer mais, não insista em alimentá-lo. Caso a criança precise de mais calorias, faça com que a próxima refeição seja mais nutritiva;

- Não ofereça água e sucos durante as refeições;

- A partir dos dois anos, e dependendo da maturidade do seu filho, você pode envolvê-lo no preparo das refeições, levando-o ao mercado quando for comprar ingredientes, deixando que ele misture a salada ou auxiliando na hora de arrumar a mesa, entre outras tarefas simples.

Fonte: Patrícia Modesto, Nutricionista da Pediatria e CTI-Pediátrico do Hospital Israelita Albert Einstein