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Saiba como afastar seu filho de "doenças de gente grande", como estresse e obesidade

Má alimentação e pouca atividade física têm feito da obesidade um problema sério entre crianças - Thinkstock
Má alimentação e pouca atividade física têm feito da obesidade um problema sério entre crianças Imagem: Thinkstock

Juliana Zambelo

Do UOL, em São Paulo

16/10/2012 07h14

O ritmo acelerado da vida moderna tem afetado não só a saúde dos pais. Cada vez mais, crianças estão sendo atingidas pelos novos padrões de comportamento e recebendo diagnósticos de doenças que já foram exclusividade dos adultos. Entre os problemas de saúde que passaram a fazer parte da infância estão obesidade, pressão e colesterol altos, estresse, depressão e LER (Lesão por Esforço Repetitivo).  

A obesidade infantil no Brasil

Segundo pesquisa realizada pelo IBGE com o Ministério da Saúde, entre 2008 e 2009, uma em cada três crianças de 5 a 9 anos estava acima do peso, sendo que 16,6% dos meninos e 11,8% das meninas eram obesas.

Entre os jovens de 10 a 19 anos, a obesidade atingiu 5,9% dos garotos e 4% das garotas. Em pesquisa semelhante, realizada em 1974 e 1975, os números da obesidade, nessa faixa etária, eram 0,4% e 0,7%, respectivamente.

Dessa lista, a obesidade, com seus desdobramentos, é uma das mais preocupantes. Para os especialistas, uma das principais causas do aumento de peso entre crianças é a má qualidade da alimentação, com excesso de produtos industrializados, ricos em gordura, sal e carboidratos.

“Antigamente, as famílias comiam refeições com arroz, feijão, carne, vegetais, uma fruta de sobremesa. Hoje se consomem mais comidas prontas e industrializadas”, diz Zuleika Halpern, endocrinologista representante do Departamento de Obesidade Infantil da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica).

A diminuição da atividade física também é apontada como culpada pelo problema. Com a violência crescente nos centros urbanos, as crianças passaram a brincar menos na rua. Ao mesmo tempo, o avanço da tecnologia criou estímulos para que elas fiquem dentro de casa em atividades que consomem pouca energia, passando a maior parte do tempo na frente da TV ou do computador. “Muitas vezes, coloca-se a criança na frente da televisão até para comer”, afirma Zuleika.

Um fator decisivo nesse quadro é a participação da família. “A alimentação das crianças depende totalmente dos adultos que cuidam dela”, declara a endocrinologista. “Os pais ficam fora de casa o dia todo e não têm tempo para controlar a alimentação dos filhos. Muitas vezes, eles nem percebem o que estão fazendo”, diz Alessandra Cavalcante, pediatra do Hospital São Luiz, em São Paulo.

Além da má alimentação, o desmame precoce, antes dos seis meses recomendados pela OMS (Organização Mundial da Saúde), e a substituição do leite materno por fórmulas lácteas também têm sido apontados como indutores da obesidade e da hipertensão, de acordo com José Martins Filho, professor titular emérito de pediatria da Unicamp e autor de “Quem Cuidará das Crianças? A Difícil Tarefa de Educar os Filhos Hoje” (Papirus Editora), entre outros livros.

Assim como nos adultos, o excesso de peso ainda nas primeiras fases da vida não vem sozinho, sendo acompanhado por alterações na pressão sanguínea e nos níveis de colesterol e de açúcar no sangue. “Antigamente, uma criança mais gordinha podia desenvolver diabetes e ter alto índice de colesterol na vida adulta. Hoje, ela já apresenta isso na infância”, diz Zuleika Halpern.

Como ajudar crianças acima do peso

“É preciso procurar o pediatra o mais rápido possível, porque, quanto mais cedo a obesidade é confirmada e tratada, mais chances a criança tem de ser um adulto saudável. E quanto mais jovem é a criança, mais fácil a recuperação”, afirma a endocrinologista Zuleika Halpern.

“Não é preciso proibir nada para a criança. Se ela for a uma festa, pode comer um docinho, pode ir a uma lanchonete de vez em quando e até deixar a avó estragar a alimentação, se for só uma vez por semana.”

De acordo com os especialistas, com a entrada na adolescência, a perda de peso fica mais complicada, dificultada pelas mudanças hormonais típicas dessa fase da vida.

Segundo Martins Filho, médicos já se preocupam em medir a pressão arterial de todas as crianças e em dosar, anualmente, a partir dos quatro anos, a glicemia e o nível de colesterol.

Além dos problemas de saúde decorrentes do excesso de peso, outros aspectos da vida da criança acabam prejudicados, afetando sua relação com o corpo e sua autoestima. Para o professor da Unicamp, a obesidade pode interferir no desenvolvimento neuromotor e psíquico. “Toda criança com doença crônica acaba tendo menos vitalidade. E o ‘bullying’ nos gordinhos é frequente e faz muito mal à personalidade.”

O diagnóstico de obesidade, no entanto, não é irreparável. Com o envolvimento de toda a família na reeducação alimentar, é possível reverter o quadro e fazer com que a criança tenha uma vida adulta livre de complicações.

Agenda lotada

Estresse, ansiedade e depressão são distúrbios comuns na vida atribulada dos adultos que também começam a fazer parte da infância. No caso das crianças, os responsáveis são, em geral, o excesso de atividades paralelas à escola e as pressões dos pais para que elas apresentem um desempenho acima da média de seus colegas.

“Esportes e cursos de línguas são apenas duas entre as atividades disponíveis para crianças e, como o mercado de trabalho exige cada vez mais, os pais colocam os filhos em muitas delas ao mesmo tempo para que eles tenham todas as oportunidades,"diz Melina Blanco Amarins, psicóloga infantil do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, "mas, muitas vezes, eles não aguentam”, afirma.

Para Rosa Resegue, pediatra da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), falta dar à criança tempo para a brincadeira e o descanso, essenciais para o aprendizado nessa fase da vida. “Os pais colocam o filho, muito cedo, em cursos extras e acham que isso vai ser um estímulo, só que ele acaba não tendo o tempo necessário para entender aquilo. O processo para a criança compreender as coisas passa pelas brincadeiras.”

Outro equívoco dos pais, afirma Rosa, é esperar muito dos filhos em relação ao desempenho. “A criança pode desenvolver ansiedade por não conseguir corresponder às expectativas dos pais. As pessoas têm menos filhos e acabam achando que eles têm de ser perfeitos.”

Como nos mais velhos, o estresse em criança pode provocar dores de cabeça, distúrbios do sono e dificuldade de concentração. Melina Blanco diz que ela vai sinalizar que não está dando conta da agenda atribulada ou da pressão exagerada dos pais. “A criança não tem ânimo, o rendimento na escola e nas atividades cai, não consegue focar a atenção. Ela pode ainda responder à situação tornando-se mais agressiva ou mais introspectiva.” Por isso, os pais precisam estar atentos e presentes na rotina do filho para perceber os sinais e saber respeitar seus gostos pessoais e ritmo na hora de matriculá-lo em alguma modalidade esportiva ou curso extra .

Para Rosa, da Unifesp, a recusa em ir à escola também merece muita atenção. “A criança ansiosa fica muito preocupada com o colégio, com a prova, porque tem medo de não estar à altura da expectativa dos pais.”

Abrir espaço para o diálogo em casa e mudar a rotina são os primeiros passos para a recuperação de uma criança estressada e ansiosa. Um profissional pode ajudar no processo, mas não é necessário em todos os casos. “Se ela conversar com a família, muitas vezes, nem precisa de psicólogo para reverter o quadro”, diz Rosa. Já se o problema for depressão, é necessário fazer um tratamento cuidadoso e prolongado com o auxílio de um especialista.

Esforços repetitivos

Computadores, tablets e aparelhos de celular, cada vez mais modernos e cheios de recursos, abrem novos mundos na infância, mas podem causar danos a suas mãos e braços. Esses equipamentos, se usados em excesso, têm provocado em crianças a incidência de LER (lesão por esforço repetitivo).

“Já foi descrita, em alguns países, lesão crônica do polegar de usuários fanáticos por celular, que ficam digitando o dia todo”, declara José Martins Filho, da Unicamp.

Marcelo Rosa de Rezende, ortopedista do Hospital das Clínicas, de São Paulo, diz que, no Brasil, esses quadros ainda são raros, mas, eventualmente, aparecem em seu consultório. “Às vezes, a mãe está lá por outro motivo e acaba comentando que o filho está com uma dorzinha. Em geral, as ocorrências estão ligadas ao uso de videogame, em função dos movimentos repetitivos exigidos e pelo estresse do jogo.”

Para evitar esse tipo de lesão, os pais precisam supervisionar o uso desses aparelhos e orientar o filho a não abusar desse tipo de diversão. Rezende explica que o tempo total que a criança passa jogando ou digitando não é o aspecto principal. “O mais importante é fazer intervalos a cada 15 minutos para exercícios de alongamento”, afirma, acrescentando que, nessas pausas, é preciso fazer movimentos opostos para reequilibrar a musculatura.

O tratamento da dor na fase aguda é o mesmo dado a adultos: antiinflamatórios, analgésicos e, em alguns casos, a restrição do movimento. “Mas o mais importante é o trabalho de orientação”, fala o ortopedista. “Às vezes, trocar a forma como a pessoa se posiciona para fazer aquele movimento, a altura da mesa ou da cadeira, já ajuda a diminuir o problema.”