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Crianças conseguem se recuperar de traumas emocionais como o do massacre de Newtown

Mesmo crianças muito novas, como as da escola Newtown, podem superar atos de violência - Justin Lane/EFE
Mesmo crianças muito novas, como as da escola Newtown, podem superar atos de violência Imagem: Justin Lane/EFE

Douglas Quenqua

Do New York Times

20/12/2012 16h11

Talvez a parte mais notável de sua história seja o fato de que hoje ela dorme com tranquilidade.

Em 20 de abril de 1999, Crystal Woodman, 16 anos, estava estudando para uma prova na biblioteca da Escola de Ensino Médio Columbine quando Dylan Klebold e Eric Harris entraram e começaram a atirar. Por sete minutos e meio, ela ficou escondida debaixo de uma mesa, ouvindo gritos, tiros e risos dos dois adolescentes.

"Pensei: 'Eu não vou sobreviver a isso'", disse a jovem, hoje Crystal Woodman Miller, em entrevista concedida por telefone no último fim de semana de sua casa em Morrison, Colorado, a 25 quilômetros de Columbine. "Tenho 16 anos e estou enfrentando a morte cara a cara."


Quando os dois rapazes armados saíram da biblioteca para pegar mais munição, ela conseguiu escapar sem ferimentos.

As consequências emocionais do que havia ocorrido, no entanto, foram debilitadoras.

"Eu tive pesadelos a noite toda, todas as noites, por dois anos", disse Miller, atualmente com 30 anos. "Vivia um paradoxo: queria estar perto de pessoas, mas não queria ninguém perto de mim."

Como muitas vítimas de traumas, ela começou a procurar por saídas e a formular um plano de fuga cada vez que entrava em uma sala. Um amigo a seguia com uma caixa de biscoitos das escoteiras para se certificar de que ela estava comendo alguma coisa.

Para os jovens expostos a um trauma que envolve armas de fogo –como os alunos da Escola de Ensino Fundamental Sandy Hook, em Newtown, Connecticut– o caminho da recuperação pode ser longo e tortuoso, marcado por sentimentos de angústia, pesadelos, problemas escolares e até mesmo abuso de substâncias. As crianças que testemunham ações de violência letal têm a sensação de segurança rompida, dizem os psiquiatras, passando a enfrentar uma série de desafios emocionais e sociais que não são facilmente resolvidos.

A boa notícia, entretanto, é que a maioria dessas crianças costuma se recuperar.

"A maioria das crianças, até mesmo as que têm essa idade, consegue resistir", disse Glenn Saxe, diretor da seção de psiquiatria infantil e adolescente do Centro Médico Langone, na Universidade de Nova York. "Os dados mostram que a maioria das pessoas que passam por um trauma, incluindo um ataque a uma escola, acaba ficando bem."

Em 2007, a Universidade Duke realizou uma pesquisa considerada nacionalmente representativa pelos psiquiatras. Segundo o estudo, apenas 13% das pessoas que haviam vivenciado um evento traumático antes dos 16 anos desenvolveram sintomas associados ao estresse pós-traumático, e menos de 1% desenvolveram de fato o transtorno de estresse pós-traumático. No geral, mais de dois terços das 1.420 crianças pesquisadas relataram ter sofrido algum tipo de trauma.

"Como ocorre na recuperação de uma cirurgia, podemos ficar com uma cicatriz, e, dependendo da cirurgia, ela pode ser grande", disse Don Bechtold, diretor médico do Centro Jefferson de Saúde Mental em Wheat Ridge, no Colorado. "As pessoas melhoram. A extensão do que significa 'melhor' é relativa."

Hoje, Miller diz estar feliz, ser uma mãe e mulher bem ajustada, sem pesadelos e livre da depressão que a assombrou nos meses após o tiroteio.

"Eu nunca mais vou ser a mesma", disse ela. "Mas percebi por fim que posso escolher ser amarga, ter raiva, ódio ou posso escolher perdoar e viver a minha vida apesar do que aconteceu."

Os fatores que determinam o quanto uma criança pode se recuperar depois de um trauma podem ser desde pessoais até contextuais. Em que medida a criança foi exposta ao evento? Será que ela viu ou ouviu tiros? Segundo a pesquisa da Universidade Duke, as crianças ficam mais propensas a desenvolver problemas em longo prazo se vivenciam traumas múltiplos.

Os psiquiatras dizem que o apoio da família pode ajudar. E que a resiliência natural – a propensão das pessoas a lidarem com seus sentimentos verbalmente ou a terem uma atitude positiva em relação ao seu futuro – também exerce um papel.

Além disso, embora a tenra idade das crianças que estudavam na escola de Newtown tenha rendido especulações de que elas poderiam ficar mais profunda ou irreversivelmente marcadas, a pesquisa não confirma tal teoria, diz Saxe.

"Não tenho conhecimento de dados convincentes que digam que o risco aumenta se a criança for mais jovem ou mais velha", disse ele. "Isso realmente depende do indivíduo. Temos de levar em conta todos os fatores de risco."

Isso não quer dizer que uma criança que frequenta o jardim de infância processa um trauma da mesma forma que um adolescente.

"Uma criança de cinco anos tende a não falar sobre o assunto, e certamente não de uma forma adulta", disse Bechtold, que fez parte da primeira equipe de saúde mental que atendeu as crianças que presenciaram o massacre de Columbine. As crianças que estão na pré-escola são "mais propensas a ter medo, a fazer muitas perguntas e a perguntar se estão seguras;elas se tornam muito apegadas às pessoas ou têm problemas para se separar".

As crianças pequenas expostas a traumas muitas vezes regridem, voltando a falar como bebês chorosos ou a ter hábitos que já tinham superado para acalmar a si próprias, como carregar um cobertor favorito.

Uma das razões pelas quais as pessoas tendem a superestimar os danos psicológicos que uma criança pode ter depois de um massacre vivenciado na escola é o fato de subestimarem a prevalência dos traumas de infância. Em uma pesquisa realizada em 1997 pela Universidade de Medicina da Carolina do Sul junto a jovens de 12 a 17 anos, 8% deles relataram ter sofrido abuso sexual, 17% relataram que foram agredidos fisicamente e 39% contaram que foram testemunhas de atos de violência.

"De certa forma, ter traumas faz parte de ser humano", disse Saxe. "A maior parte de nós, ao olhar para trás, reconhece ao menos uma experiência onde havia uma ameaça muito grande (à segurança)". "A maioria das pessoas se utiliza disso, enfrenta a situação e segue em frente."

Mas os efeitos do transtorno do estresse pós-traumático podem se estender por anos para algumas famílias.

Marjorie Long, que cursava o segundo ano em Columbine em 1999, ficou presa por horas em uma sala de aula com um professor que estava à beira da morte. Sua mãe, Peggy Lindholm, respondendo a um pedido de entrevista feito a Long, disse que falar do massacre ainda fazia com que a filha se fechasse.

"Realmente não foi fácil para ela", disse ela.

Como Long não conseguia ficar em uma sala de aula, acabou por largar a escola. Lutou contra doenças, pesadelos e vícios.

"Ela ficou fisicamente doente por um ano", disse Lindholm, que logo veio a se divorciar.

Hoje, Long, com 30 anos, está casada, sóbria e se prepara para cursar uma pós-graduação. No entanto, ela ainda tem problemas com ruídos altos.

"O barulho da comemoração da Independência em Quatro de Julho realmente a incomoda", disse Lindholm, "e antes ela adorava esse dia". Além disso, toda vez que algo a faz lembrar do incidente, ela começa a reviver a experiência. "Quando isso acontece, ela se fecha por um mês inteiro."

Para outros, deixar o trauma para trás é mais fácil. Miller, a aluna que se escondeu debaixo da mesa na biblioteca, diz que não consegue identificar qual foi o dia exato em que começou a se sentir melhor. Porém, como acontece com a dor que sentimos no caso de uma separação difícil, a angústia e os pesadelos foram diminuindo gradualmente –provavelmente, diz ela, por conta da passagem do tempo, de terapia regular e viagens (ela passou grande parte dos últimos 13 anos dando palestras e se voluntariando em países afetados por adversidades, como Kosovo e Indonésia, após o tsunami de 2004).

No sábado, depois de ter acompanhado de perto as notícias de Newtown, Miller disse que estava profundamente triste, mas não deprimida ou incapaz de exercer suas atividades.

"Os massacres de Aurora e Newtown não me fizeram reviver o trauma que tive", disse ela. "O que eu sinto é um imenso sentimento de dor e tristeza em relação à comunidade e aos sobreviventes. Mas não estou traumatizada."