Topo

Homens encaram preconceito para exercer profissão de doula

Lucas Severo Abad fez curso para atuar como doula em dezembro de 2014 - Arquivo Pessoal
Lucas Severo Abad fez curso para atuar como doula em dezembro de 2014 Imagem: Arquivo Pessoal

Daniela Venerando

Do UOL, em São Paulo

02/04/2015 07h15

 

Lucas Severo Abad, 29 anos, fez o curso de formação de doula –profissional que dá suporte físico e emocional à mulher antes, durante e depois do parto– em dezembro de 2014 e, de lá para cá, já acompanhou como voluntário 17 nascimentos no Hospital Santa Casa de Caridade de Uruguaiana (RS). Apesar do grande interesse pela área, a atividade ainda não é a principal fonte de renda de Abad, que é servidor público no setor administrativo de uma universidade federal.

Além de Abad, o UOL Gravidez e Filhos entrevistou mais dois homens com formação de doula e todos relatam que a presença masculina no segmento é vista com desconfiança.
"Acredito que, no futuro, essa situação vai mudar. Toda mudança gera estranheza, ainda mais em uma sociedade machista como a nossa, mas sou persistente. Tem muitos homens que gostariam de atuar como doula. Eu me correspondo com vários doulos nos Estados Unidos, em Portugal e na Argentina", afirma Abad.

No ano passado, a unidade de São Paulo do Gama (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa), instituição que oferece curso de doula na capital paulista e em outras quatro cidades, teve dois alunos em uma mesma turma, fato inédito em 12 anos de existência. "No nosso site, temos apenas dois homens no nosso cadastro de 300 doulas", afirma a psicóloga Maria Angelina Pita, fundadora e coordenadora do Gama.

O próprio nome da profissão exclui o sexo masculino. A palavra doula vem do grego "mulher que serve" e os dicionários ainda não oficializaram um termo para o homem que desempenha a função. 

A atividade é nova no Brasil, tendo sido reconhecida há dois anos. A Ando (Associação Nacional de Doulas) estima que há entre 4.000 e 5.000 doulas capacitadas no país. No exterior, a atuação masculina é maior, mas também tímida de acordo com representantes da Dona International, maior órgão certificador de doulas no mundo, que não tem números a respeito.

Atuação alternativa

Não há um roteiro pré-definido na hora do nascimento. A doula vai fazer tudo o que a grávida precisar: massagear, orientar a parturiente a encontrar posições mais confortáveis para o trabalho de parto, mostrar formas eficientes de respirar ou apenas dar a mão à grávida e dizer palavras de conforto. Para Abad, a doação exigida pela atividade é apenas uma questão de vocação.

"Meu papel é servir a mulher em um momento especial e isso independe de gênero. É tudo uma questão de identificação com o parto humanizado. Eu me sinto abençoado. Após o nascimento, quando as mães me olham e me abraçam com gratidão, tenho a certeza de que o caminho que escolhi seguir é o certo", afirma Abad, que pretende, no futuro, atuar exclusivamente como doulo.

O farmacêutico Samir Salem Sugui, 36, ainda não encontrou espaço para trabalhar na área. Ele fez a formação no começo de 2014, mas, oficialmente, não conseguiu atuar. Durante o curso, duas alunas disseram que ele não deveria nem estar lá. Participou também de alguns fóruns na internet e encontrou mulheres com críticas bem duras à presença de homens no segmento.

“Quando surgem as críticas, nem rebato mais. Simplesmente falo que a decisão é da mulher. Ela é a protagonista do parto, é ela quem vai decidir se um homem serve ou não para o papel", diz.

A saída encontrada por Sugui foi fazer palestras e atender casais que querem uma orientação sobre o parto, mas, ainda assim, ele tem encontrado dificuldade. "Parece que só sirvo para orientar no pré e no pós-parto. Para o nascimento, não”, diz. O farmacêutico só não ficou totalmente frustrado, porque, na prática, atuou indiretamente como doula em uma maternidade pública de São Paulo até o final do ano passado, quando se mudou para Minas Gerais.

A chefia da instituição sabia de seu interesse na profissão e dava abertura para ele acalmar, orientar e apoiar as parturientes. Apesar dos obstáculos, ele não desistiu da causa. Até o final do ano, pretende abrir uma casa na qual as mulheres possam ter um parto humanizado na cidade de Carmo de Minas (MG).

Outro que fez o curso de doula e sentiu o preconceito foi o engenheiro de produção Gabriel Bonaldo, 25. Ao terminar a formação, a intenção era participar do parto da mulher e, eventualmente, ajudar outras gestantes na cidade onde mora, Santa Bárbara d'Oeste, no interior de São Paulo. Por hora, ele desistiu da ideia.

"Encontrei muita resistência. No momento, dou palestra aos pais no grupo de doula da minha mulher, que reúne casais em busca de informação sobre parto. Essa é a minha forma de contribuir para a causa do parto humanizado", declara.

Lei do acompanhante

Por lei, a gestante tem direito a um acompanhante na sala de parto, seja em hospital público ou privado. Há instituições que, além do acompanhante previsto na legislação, libera a presença de uma doula.

Alguns poucos municípios criaram leis que garantem o acesso de doulas às salas de partos, caso de Blumenau (SC), cuja legislação está em vigor desde abril de 2014.