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Só acontece em "Sete Vidas": no Brasil, doação de sêmen é anônima

Em cena de "Sete Vidas", Miguel (Domingos Montagner), o doador, e Felipe (Michel Noher), o filho biológico, preparando-se para o transplante - João Miguel Júnior/Globo
Em cena de "Sete Vidas", Miguel (Domingos Montagner), o doador, e Felipe (Michel Noher), o filho biológico, preparando-se para o transplante Imagem: João Miguel Júnior/Globo

Beatriz Vichessi

Do UOL, em São Paulo

14/05/2015 07h05

Na novela "Sete Vidas" (Globo), um doador de sêmen e um rapaz gerado a partir do material doado têm seus destinos cruzados. O primeiro revela sua identidade para salvar a vida do segundo, que sofre de uma doença autoimune e precisa de um transplante de fígado. Antes de assumir ser o pai biológico do rapaz, Miguel (Domingos Montagner) já tinha sido localizado por ter feito a doação na Califórnia, nos Estados Unidos.

De fato, no Estado americano, a doação pode ser anônima ou não, diferentemente do que acontece no Brasil. Aqui, os casos são regulamentados por uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) --número 2.013/13--, que garante anonimato aos doadores de sêmen e de óvulos e não permite o contato entre estes e receptores.

O objetivo da norma do CFM é que a doação seja segura para todos os envolvidos e não se torne uma transação comercial.

“A mesma resolução médica veda o caráter lucrativo ou comercial da doação. E a Constituição Federal proíbe a remuneração, porque não permite a comercialização de órgãos ou partes do próprio corpo”, explica Ana Cláudia Scalquette, advogada, doutora em direito civil e professora da Faculdade de Direito do Mackenzie, em São Paulo.

Intermediação dos médicos

Caso acontecesse uma situação como a da novela da Globo no Brasil, os médicos envolvidos na reprodução assistida teriam de intermediar para que o doador pudesse ajudar o filho biológico.

“É preciso armazenar material biológico dos doadores por 30 anos. Assim, os profissionais têm condições de tentar entrar em contato com as pessoas e intermediar a situação, sem revelar identidades”, afirma Edson Borges Júnior, especialista em reprodução humana e diretor científico do Fertility Medical Group, em São Paulo.

Quando alguém procura uma clínica médica para engravidar utilizando material doado, tem acesso somente a informações que ajudam a escolher o perfil do doador, como tipo sanguíneo, características físicas, como cor da pele e dos olhos, hobbies, religião e profissão. Mas nunca é fornecida uma foto da pessoa que forneceu o material.

“Em hipótese alguma, um doador de sêmen pode reclamar o direito de ser o pai de uma pessoa gerada com o material”, declara Borges Júnior.

A advogada Ana Cláudia afirma que o doador não pode ser considerado pai ou mãe da pessoa nascida. “Isso contraria o ato da doação e a paternidade ou a maternidade estabelecida pelo vínculo afetivo com os pais que buscaram o tratamento.”

Limite de idade

Qualquer pessoa pode recorrer a um banco de óvulos ou de sêmen. Não há restrição ou limitação com relação ao estado civil ou à orientação sexual. Mas a resolução 2.013/13 do CFM determinou 50 anos como idade máxima para mulheres que buscam gestação por meio de reprodução assistida.

Segundo a advogada Ana Cláudia, o limite etário vem sendo debatido judicialmente por não ser previsto em lei, mas, sim, em uma resolução médica, que versa principalmente sobre diretrizes éticas.

Atualmente, inclusive, o principal motivo que leva alguém a recorrer a bancos de óvulos tem a ver com a idade da mulher que quer ser mãe. “Com o passar dos anos, sabe-se que a fertilidade feminina entra em declínio severo”, diz Arnaldo Cambiaghi, especialista em reprodução humana e diretor do IPGO (Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia).

Já a busca pelo banco de sêmen, de acordo com Cambiaghi, é motivada, na maioria dos vezes, por conta da produção insuficiente de espermatozoides pelo organismo masculino ou por causa da fabricação de material com alteração cromossômica, ou seja, de espermatozoides com defeito.

No Congresso

Embora o primeiro bebê de proveta tenha nascido no Brasil há mais de 30 anos, ainda não existe uma lei que regulamente o assunto por aqui. Vários países, como Portugal e Espanha, adotam normas específicas para a reprodução assistida, e permitem o conhecimento da identidade genética do doador em situações excepcionais, como doenças com risco de morte.

A boa notícia é que tramita no Congresso Nacional, em regime de urgência, um projeto de lei para instituir o Estatuto da Reprodução Assistida (PL 115/15), apresentado pelo deputado federal Juscelino Rezende Filho (PRP/MA). Caso venha a ser aprovado, situações envolvendo a reprodução humana assistida, tanto no âmbito civil, administrativo ou mesmo criminal, estarão previstas e disciplinadas.