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Obesidade é principal justificativa por trás do bullying contra crianças

Crianças sofrem discriminação na escola por causa do excesso de peso - Anita Kunz/The New York Times
Crianças sofrem discriminação na escola por causa do excesso de peso Imagem: Anita Kunz/The New York Times

Roni Caryn Rabin

Do The New York Times

16/07/2015 12h46

 

O "excesso de peso" é a principal justificativa por trás do bullying contra crianças e alguma coisa precisa ser feita a esse respeito.

Essa é a visão predominante entre milhares de adultos de quatro países que, quando questionados sobre porque as crianças sofrem bullying, responderam que a justificativa mais comum não era racial, nem religiosa, nem envolvia deficiências físicas ou a orientação sexual, mas o peso.

Quase três quartos dos entrevistados afirmaram que as escolas e as políticas antibullying precisam abordar essa questão, e muitos afirmaram considerar o problema "grave" ou "muito grave".

Ainda assim, a maior parte das leis antibullying não protegem crianças obesas, afirmou Rebecca Puhl, vice-diretora do Centro Rudd de Política Alimentar e Obesidade da Universidade de Connecticut, em Hartford, além de principal autora do artigo, o primeiro estudo internacional investigando o bullying relacionado ao peso, publicado na revista científica “Pediatric Obesity”.

Não existem leis federais que garantam o tratamento igualitários para pessoas com sobrepeso ou obesas. "Na verdade, não é ilegal discriminar as pessoas com base em seu peso e isso dá a entender que o preconceito, o tratamento injusto ou o bullying com crianças acima do pesão são práticas toleráveis", afirmou Puhl, professora de desenvolvimento humano e estudos familiares na UConn.

À medida que os índices de obesidade aumentaram, afirmou, tornou-se comum atribuir aos indivíduos a responsabilidade pelo excesso de peso e pela mudança de comportamentos nocivos, "o que dá a entender que essas pessoas são de alguma maneira culpadas pelo próprio peso e, portanto, merecem o tratamento que recebem".

"Além disso, existe uma noção generalizada de que o estigma talvez não seja tão ruim assim e que as críticas servem de motivação para que as pessoas percam peso", afirmou Puhl. No entanto, a verdade é justamente o contrário: as pessoas que são criticadas em função do excesso de peso acabam se envolvendo em comportamentos pouco saudáveis, afirmou. Estudantes que são chamados de gordos durante a aula de educação física, por exemplo, acabam matando as aulas para evitar as críticas.

Segundo o novo estudo, os pesquisadores entrevistaram 2.866 adultos nos Estados Unidos, Canadá, Islândia e Austrália. Os quatro países contam com índices similares de obesidade na infância e na idade adulta, além de atitudes culturais similares que incentivam a magreza e a atividade física, afirmou Puhl.

Ao menos 70% dos participantes de todos os países viam o bullying com crianças obesas como um problema comum, e 69% dos entrevistados acreditavam que o problema era "grave" ou "muito grave". Embora cerca de metade dos entrevistados acreditassem que "ser gordo" era a razão mais comum por trás das provocações, ao passo que menos de 21% dos adultos desses países afirmaram que questões de raça, etnia ou nacionalidade fossem as causas mais comuns do bullying. Menos de 15% dos entrevistados listaram a orientação sexual, menos de 12% listaram deficiências físicas, e menos de 6% listaram a religião ou o desempenho acadêmico.

Cerca de três quartos dos entrevistados de todos os países afirmaram que as escolas deveriam fazer esforços para conscientizar sobre o bullying contra crianças obesas, além de implementar políticas que protejam essas crianças. Além disso, os entrevistados também apoiaram o desenvolvimento de leis antibullying para combater esse ato contra crianças obesas.

Entretanto, os americanos não são tão favoráveis ao envolvimento do governo no problema: metade dos entrevistados afirmou que o governo deveria ter uma postura mais ativa e apenas 47% eram favoráveis a uma lei federal que proibisse o bullying relacionado ao peso.

A nova pesquisa não é a primeira a relatar os mesmos dados: um estudo feito em 2011 pela Associação Nacional de Educação revelou que 23% dos professores relatavam que o bullying relacionado ao peso era uma preocupação nas escolas, com percentuais mais baixos indicando a discriminação por gênero, deficiência física, ou orientação sexual presumida.

"O movimento do politicamente correto parece não se importar com o peso", afirmou Deborah Carr, diretora do departamento de sociologia da Universidade Rutgers, em New Brunswick, em Nova Jersey. "O estigma do peso é o mais grave entre pessoas de classe média alta com formação superior, justamente a população que mais aprecia corpos magros".

De fato, à medida que os índices de obesidade aumentaram nos últimos anos, a percepção de discriminação por peso e altura também se tornou mais comum, conforme mostram pesquisas.

Com cerca de um terço das crianças e jovens americanos com sobrepeso ou obesidade, autoridades de saúde pública temem a discriminação que podem sofrer ao chegar ao mercado de trabalho, durante os estudos ou em ambientes médicos, além do preconceito de colegas e até mesmo de familiares.

Jovens obesas recebem menos apoio financeiro universitário dos pais do que jovens que não são obesas, além disso, trabalhadores obesos recebem menos que trabalhadores não obesos, de acordo com um relatório dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) sobre o preconceito de peso feito por Reginald L. Washington, diretor médico do Hospital Infantil Rocky Mountain, em Denver.

O relatório do CDC revisou políticas atuais e revelou o enviesamento de médicos, educadores, familiares e colegas de pessoas obesas. Um estudo envolvendo mais de 400 médicos, por exemplo, revelou que mais de 30% dos entrevistados elencaram a obesidade como uma condição à qual reagiam negativamente, pouco atrás do vício em drogas, de doenças mentais e do alcoolismo. O CDC também citou uma pesquisa que revelava que as famílias frequentemente criticavam parentes obesos; quase metade das jovens com sobrepeso relataram provocações feitas por familiares.

Embora alguns especialistas em saúde reconheçam que a genética individual e diferenças no metabolismo levam algumas pessoas a engordar mais do que outras, a ideia mais disseminada é a de que qualquer pessoa é capaz de chegar ao peso desejado por meio de dietas e atividades físicas regulares.

Carr afirmou que os especialistas em saúde pública caminham sobre uma linha tênue "entre querer que as pessoas tenham corpos saudáveis e se sintam bem com sua forma física –e desejar que elas simplesmente controlem o peso".