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Nos Estados Unidos, pais gays temem recomeço das aulas

Kevin Dix e sua filha de seis anos esperam pelo ônibus escolar - Christopher Capozziello/The New York Times
Kevin Dix e sua filha de seis anos esperam pelo ônibus escolar Imagem: Christopher Capozziello/The New York Times

Roni Caryn Rabin

The New York Times

14/09/2015 13h39

 

"Ah, você é a Mia", falou a criança da outra cama na colônia de férias. "Você que foi adotada e tem duas mães."

O comentário não tinha má intenção –pelo menos foi o que Mia pensou–, mas incomodou a menina de 11 anos a ponto de ela o mencionar para suas mães quando voltou para casa.

"Ela só contou que era muito esquisito terem dito aquilo, que era só aquilo que se lembravam dela", contou a mãe de Mia, Gerri DiBenedetto, que agora pensa como a filha vai se sair na nova escola onde vai cursar o ginásio em Manhattan. "Acho que ela terá todo um mundo novo de 'sair do armário'", disse Gerri.

Embora décadas de pesquisa tenham constatado que filhos de pais gays e mães lésbicas não são diferentes de crianças de casais heterossexuais em termos de desenvolvimento, conquistas sociais e acadêmicas, nem de orientação sexual, as pesquisas também mostram que a maioria dos filhos de pais gays ainda enfrenta comentários como o ouvido por Mia. Cientistas chamam isso de "microagressão". As ofensas podem não ter má intenção nem significar assédio, mas discriminam a criança e a fazem se sentir diferente.

Em novo estudo, pesquisadores constataram que, quando os filhos de casais de gays ou lésbicas tinham 11 anos, 58% deles haviam ouvido ofensas ou microagressões voltadas às suas famílias. As descobertas foram apresentadas no começo de agosto no encontro anual da Associação Psicológica Americana em Toronto, Canadá.

"A criança que tem dois pais pode ser questionada sobre onde está a mãe ou por que não tem mãe", disse Rachel Farr, professora assistente de psicologia de desenvolvimento da Universidade do Kentucky. Rachel realiza um estudo para acompanhar 49 crianças adotadas de famílias com dois pais ou duas mães. Ela acompanha as crianças há quase oito anos desde que entraram na pré-escola.

Algumas das perguntas e observações endereçadas a filhos de pais gays nascem de curiosidade genuína, da ignorância ou de suposições amplamente aceitas de como as famílias devem ser, explicou Farr.

"As crianças estão tentando entender seu mundo. Elas talvez conheçam apenas crianças que tenham pai e mãe. Porém, para uma criança com pais do mesmo sexo, isso pode ser difícil de experimentar."

Em resultado, os pais gays costumam escolher com muito cuidado a creche ou jardim de infância, tornando-se pais muito envolvidos. Eles podem se encontrar com uma professora no começo do ano escolar para apresentar a família e solicitar o uso de linguagem inclusiva, muitas vezes trabalhando como voluntários, mantendo uma presença visível na sala de aula. Entretanto, à medida que as crianças vão crescendo e entram no ginásio ou colegial, os pais nem sempre têm as mesmas oportunidades de intervir.

William Kinnane e seu parceiro, John Petersen, ambos com 38 anos, observavam a filha de seis anos, Riley, andar de patinete em uma rua sem saída nos arredores de casa, no subúrbio de Atlanta, quando uma garota vizinha de dez ou 11 os abordou.

"Qual de vocês é o irmão da Riley e qual é o pai dela", ela perguntou.

Kinnane disse que os dois eram pais da Riley. A seguir, ela perguntou qual deles era casado com a mãe de Riley, e Kinnane explicou que a filha era adotada. Mais perguntas foram feitas.

"Estava claro que ninguém nunca havia conversado sobre adoção com a garota. Nem imagino que tipo de conversa rolou no jantar dela naquela noite", contou Kinnane.

As metas do estudo de Farr incluem tentar avaliar se os filhos de pais gays apresentam maior probabilidade do que outras crianças de serem provocadas ou discriminadas, quais são seus mecanismos de defesa e qual seu nível de resistência. Na pesquisa, 80% das crianças contaram que sabiam que as famílias eram diferentes, mas também afirmaram que suas famílias eram "especiais".

Um menino com dois pais contou aos pesquisadores: "Gosto de ter uma família só de meninos". Outra criança disse: "bem, nós temos negros e brancos em nossa família, e as outras famílias podem ser todas brancas ou negras".

Uma menina contou que quando as colegas afirmam que sua família é "meio esquisita, eu não levo a mal porque não tive escolha", mas que era "abençoada por ter duas mães". Outra criança declarou: "tenho uma família arco-íris, que sempre fica junta".

Amy Whitehead-Pleaux, que mora em Worcester, Massachusetts, contou que a filha de oito anos tem uma atitude prática.

"Sempre que perguntam por que ela tem duas mães, ela só diz que tem. 'Você tem pai e mãe, eu tenho duas mães'", explicou Whitehead-Pleaux.

Pesquisadores dizem que as crianças costumam se tornar pequenos embaixadores ou porta-vozes que explicam suas famílias a outras crianças ou adultos. Porém, pouco se sabe sobre como elas são tratadas pelos colegas no ginásio e no colegial, idade em que as crianças podem se comunicar menos com os pais, disse Abbie Goldberg, professora assistente de Psicologia na Universidade Clark em Worcester, que estuda casais que adotam, tanto gays quanto héteros. Segundo ela, à medida que a criança envelhece, "elas começam a se tornar mais relutantes em contar aos pais sobre homofobia; elas não querem preocupá-los."

Kevin Dix, que se considera um pai superprotetor da filha de seis anos, teme o dia em que os pais não serão bem-vindos na sala de aula. No ano passado, ele passava uma hora por semana como voluntário na sala de aula da escola da filha em um subúrbio de Connecticut.

Quando cuidava de um pequeno grupo de crianças conversando sobre um livro, ele ouviu um menino dizer: "duas meninas não podem se casar, somente menino e menina podem se casar".

Dix disse que estava pensando no que responder quando uma menina se meteu na conversa e disse: "ah, elas podem sim. E um menino também pode se casar com outro".

Neste ano, Dix voltará novamente à escola para ajudar a professora nas aulas da primeira série.

"Costumo me preocupar demais quando se trata da minha filha. Não quero que ela seja afetada pela minha homossexualidade. Se alguém tiver problemas com isso, é problema deles comigo não com ela."