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Forçar uma criança a comer é falta de respeito, diz pediatra espanhol

O pediatra espanhol Carlos González, que vem ao Brasil neste mês lançar o livro "Meu Filho Não Come!" - Divulgação
O pediatra espanhol Carlos González, que vem ao Brasil neste mês lançar o livro "Meu Filho Não Come!" Imagem: Divulgação

Do UOL

15/11/2016 07h05

O pediatra espanhol Carlos González, 56, foi definido pelo jornal britânico “The Guardian” como “o médico que quer que os pais quebrem as regras”. Ele diz, no entanto, que os pais devem retomar seus instintos, já que a sociedade complicou seu papel nos últimos tempos com normas que o especialista considera absurdas.

González é defensor do aleitamento materno sob livre demanda e da cama compartilhada. O médico critica o castigo e defende a criação com apego e o respeito às crianças. É autor do best-seller “Bésame Mucho – Como Criar seus Filhos com Amor”, lançado no Brasil, em 2015, pela Editora Timo. No livro, questiona comportamentos adotados para que o filho não fique mimado, como não pegá-lo no colo ou dar atenção quando chora.

Pai de três filhos, González vem neste mês ao Brasil para promover o lançamento do livro “Meu Filho Não Come!”, também da Timo, que já está em pré-venda.

Na publicação, não há dicas de como fazer as crianças rasparem o prato. O que ele quer é explicar que elas comem o que precisam –ainda que não atendam às expectativas dos pais-- e que devem aprender a se alimentar sozinhas.

Em entrevista ao UOL, concedida por e-mail, González fala sobre os erros que os adultos cometem à mesa e de como incentivar os filhos a adotarem uma alimentação mais saudável.

UOL – Há pais que obrigam o filho a comer e fazem ameaças. O que você pensa sobre essas condutas?

Carlos González - Forçar a comer é inútil, porque as crianças comem sem que seja necessário obrigá-las. Além disso, a conduta é contraproducente, porque a única coisa que os pais conseguem é que os filhos odeiem a comida e mais ainda “aquela” comida, que eles insistem em servir e que geralmente é a mais saudável. Também é perigoso quando a estratégia funciona, porque temos uma grave epidemia de obesidade infantil. Acima de tudo, esse comportamento é uma falta de respeito com a criança.

UOL - Se a criança recusa a refeição após três garfadas, significa que está satisfeita?

González - Exatamente.

UOL - Mas há crianças com problemas de apetite?

González - Há crianças que não comem o suficiente. São reconhecidas por perder peso ou ganhar muito menos peso do que o normal. Nesses casos, o que os pais precisam fazer é consultar um médico para ver o que acontece com ela. Uma criança doente perde o apetite e emagrece. Mas, mesmo nesses casos, não se deve obrigá-la a comer. É preciso descobrir o problema, tratá-la adequadamente e, quando estiver curada, comerá sozinha.

UOL - Em seu livro, você diz que muitos pais têm alta expectativa quanto à fome dos filhos. O que significa isso?

González - Por anos, os pediatras deram recomendações exageradas sobre a quantidade de comida a ser dada às crianças. Na Espanha, por exemplo, era costume recomendar para um bebê de seis meses um purê de frutas contendo meia banana, meia pera, meia maçã e meia laranja. Para uma criança de sete quilos. Na mesma proporção, eu teria de comer cinco bananas, cinco peras, cinco maçãs e cinco laranjas. E eu não consigo comer isso. É claro que quase nenhum bebê come toda essa quantidade de frutas e, se o faz, não janta depois.

UOL - Há como calcular a quantidade de comida adequada, por idade?

González - O cálculo é muito fácil de fazer: olhe para o que seu filho come, é justamente essa quantidade que ele deve comer –a menos que seja obeso, então, deverá comer menos. Não há outra maneira de descobrir a não ser observar. É preciso ter em mente que nem todas as crianças comem a mesma quantidade, alguns comem o dobro e até o triplo de outras da mesma idade.

UOL - Se a criança recusa a comida, mas pede para fazer pequenos lanches pouco tempo depois, os pais devem dar?

González - Se a criança pedir espontaneamente --sem que os pais ofereçam-- outros alimentos e se o pedido for razoável, não há razão para não dar. Agora, se o filho pedir doces, salgadinhos ou ainda algo que os pais não tenham à mão naquele momento --por exemplo, se não há tempo para preparar um macarrão ou se não há iogurtes na geladeira--, é só dizer educadamente: "Sinto muito, querido, isso não posso dar".

UOL - Esconder alimentos no prato do filho que ele geralmente rejeita é uma tática válida?

González - Se a receita original tem aquele ingrediente que ele costuma rejeitar, não há problema em oferecer. Agora, colocar um ingrediente que não condiz com a receita e achar que a criança não vai perceber, parece-me bastante inútil. Por exemplo, colocar espinafre no molho de tomate. Dá para acreditar que é possível usar a verdura sem que o molho mude de cor ou sabor? É desnecessário fazer isso para que a criança coma meio grama de espinafre.

UOL - Quando a criança recusa um alimento, a opinião dela é definitiva?

González – A opinião dela não é definitiva. A melhor maneira --e isso não é garantia de sucesso-- de uma criança aceitar comidas novas é colocar esse alimento repetidamente na mesa, sem fazer comentário algum, sem insistir, pressionar ou oferecer prêmios, caso ela experimente. É preciso ter em mente que há mudanças normais na aceitação de novos alimentos. Normalmente, os bebês comem de tudo --até jornal. Após um ano, começam a rejeitar as coisas que antes comiam e não aceitam alimentos novos. Na adolescência, voltam a aceitar coisas novas e, muitas vezes, com entusiasmo.

UOL - Qual é a forma mais eficiente de incentivar as crianças a comerem bem?

González - O importante é que os pais tenham bons hábitos alimentares. Bebam apenas água –não refrigerante, suco ou álcool; comam frutas de sobremesa, em vez laticínios ou bolos; tenham sempre verduras e legumes na mesa, e não abusem do sal, do açúcar ou da gordura. Se os pais comem bem, a criança acabará comendo também. Para que ela não coma doces, biscoitos e não beba refrigerante, basta não comprar esses itens. Se houver apenas alimentos saudáveis em casa, ela só vai comê-los. Entre essas coisas saudáveis, cada criança decidirá o que come, quanto come e quando come.