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Trabalho na hora de comer pode revelar transtorno grave em crianças

Ilustração: Jun Cen/The New York Times
Imagem: Ilustração: Jun Cen/The New York Times

Abby Ellin

Do The New York Times

19/01/2017 08h30

Jeaninne Mackson sempre soube que seu filho, Brendan, rejeitaria alguns tipos de comida. Se não fossem crocantes – como biscoitos, bolachas e batatas fritas bem sequinhas – ele nem colocaria na boa. Mas Jeaninne, de Shrewsbury, Massachusetts, imaginou que em algum momento o filho iria mudar de hábitos.

Isso não aconteceu.

Quando tinha 7 anos de idade, os médicos o diagnosticaram com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, sugeriram que os pais o expusessem a outros tipos de alimentos e dessem um jeito de ser mais pacientes. Quando chegou aos 9 anos, ele havia restringido de tal forma a alimentação que os pais estavam realmente preocupados com sua saúde física e emocional.

“Isso estava começando a afetar a autoestima dele. Ele não conseguia comer as mesmas coisas que outras crianças e disse que se sentia idiota e não sabia por que não conseguia comer. Ele tinha até inveja das crianças que comiam morangos ou uma salada”, afirmou Jeaninne.

Aos 12 anos, depois que Brendan começou a dar sinais de desnutrição, a família o levou ao Centro de Tratamento Comportamental Walden, um centro de tratamento de distúrbios alimentares em Waltham, Massachusetts, onde foi diagnosticado com transtorno alimentar seletivo, ou TAS. O transtorno alimentar foi acrescentado em 2013 à quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o manual de referência da Associação Americana de Psiquiatria.

Embora muitas crianças fiquem seletivas durante um período, o TAS é um problema extremo. Uma pesquisa suíça envolvendo 1.444 crianças com idades entre 8 e 13 anos revelou que três por cento delas sofriam com a condição, que geralmente começa na infância.

Pessoas com TAS geralmente evitam cores, texturas, sabores e odores específicos em alimentos, ou tem medo de engasgar e vomitar. Outras simplesmente nunca querem comer.

“Elas evitam a possibilidade de passar por uma experiência que causa medo. Essas pessoas afirmam que determinados alimentos causam uma sensação estranha desde a infância. São sabores que elas não gostam, ou coisas que não são capazes de comer porque se sentem estranhas quando comem”, afirmou o Dr. Ovidio Bermudez do Centro de Recuperação Alimentar em Denver.

Embora o TAS possa ocorrer em concomitância com outros distúrbios alimentares, portadores do transtorno não possuem uma visão corporal distorcida e não são movidas pela necessidade de continuar magras. Contudo, com frequência, esses indivíduos perdem peso – ou não conseguem engordar –, já que não consomem calorias suficientes, o que pode levar a atrasos no desenvolvimento.

“Os portadores do TAS são menos flexíveis quando se trata de alimentação e, por conta disso, têm dificuldades para se socializar”, afirmou Renee Nelson, diretora clínica dos serviços a adolescentes no centro Walden. “O principal problema é que esse é um transtorno que não se corrige sozinho”.

Preston Ray, que atualmente tem 21 anos, foi diagnosticado com TAS no ano passado. Assim como Brendan, ele sempre foi difícil na hora de comer; aos 2 anos, comia apenas salgadinho e purê de maçã. Quando cresceu, descobriu que não conseguia engolir alimentos e sofria com dores no estômago, seguidas de ansiedade e tendências obsessivo-compulsivas.

“Tinha uma lista de cinco a 10 alimentos ‘seguros’ e até eles me causavam ansiedade. Eu era ousado em outras áreas da vida; gostava de aventuras e de viajar”. Mas quando o assunto era comida, “ficava ansioso com a possibilidade de provar algo novo”.

A lista de alimentos que ele não queria – ou não podia – comer cresceu tanto que era mais fácil registrar os alimentos que aceitava: queijo quente, quesadillas de queijo, macarrão sem molho e algumas frutas. Muitos tipos de biscoito. Nenhum vegetal, a não ser cenouras cruas.

“Ele comia porções muito pequenas”, afirmou sua mãe, Kristi Ray, de Austin, no Texas. “Nunca sentia fome. Todos os médicos e especialistas me diziam que não precisava me preocupar, que ele só era exigente e que logo iria mudar. Dizia que o problema ia se resolver por conta própria. Todo mundo ignorava minhas preocupações e ninguém dava nome aos bois. Ninguém dizia que aquilo era um transtorno alimentar.”

No caso de Brendan Mackson, seus pais o matricularam em um programa intensivo para pacientes externos do Centro Walden em fevereiro do ano passado. Durante o curso, ele participou de três horas de sessão de terapia, três vezes por semana, durante oito semanas. (O plano de saúde cobriu todo o tratamento). Os pais também participaram de programas de terapia familiar e jantaram com familiares de outras pessoas matriculadas no programa.

O tratamento incluiu exposição a alimentos dos quais ele tinha medo, além de incorporar terapia de comportamento dialético, um tipo de psicoterapia cognitivo-comportamental que se concentra na mudança de comportamento.

Seus pais também aprenderam técnicas de modificação comportamental, como o estabelecimento de limites de tempo durante as refeições (“Você tem 30 segundos para dar a primeira mordida”), além de usar pontos que poderiam ser trocados por prêmios. “Intercalamos com alimentos dos quais ele já gostava – como batata chips e M&M’s – para minimizar os sabores e texturas menos agradáveis, ou para ajudar a mascarar alguns sabores”, afirmou Jeaninne.

Embora o filho tenha melhorado muito, comer ainda é uma batalha diária, admitiu. Ele, que atualmente tem 14 anos, percebe que esse será um problema para o resto da vida.

Contudo, “ele compreende a situação, sua autoestima melhorou, ele aprendeu estratégias para lidar com o problema, frente a outras pessoas em casa, ou nos restaurantes. Também estamos comendo alimentos muito diferentes e em volume cada vez maior. Sua saúde mental melhorou porque percebeu que não há nada de errado com ele; trata-se apenas de uma dificuldade e de desafios diários”.

Preston Ray, que tem 1,95 metro, joga basquete e perdeu 15 quilos durante o primeiro ano de faculdade. Preocupado, tirou férias e fez um tratamento parcial no Centro de Recuperação de Distúrbios Alimentares, em Austin.

“Eles utilizavam terapias individuais e em grupo para nos ensinar técnicas tangíveis que somos capazes de utilizar ao longo do dia e na hora das refeições para lidar com a ansiedade. Isso também me deu a chance de diminuir o ritmo e trabalhar através dos meus próprios pensamentos, bem como o de outros jovens que estão passando por situações similares.”

Embora perceba que sua ansiedade em relação aos alimentos nunca irá desaparecer por completo, seus estudos melhoraram drasticamente, assim como a vida social e a felicidade, de forma geral.

Além disso, conseguiu acrescentar o hambúrguer ao cardápio, além de salada e pizza com molho. Ele se sente triunfante. Mas além de acrescentar mais alimentos, “aprendi a mudar a forma como vejo a comida”, afirmou.

O objetivo final é se manter saudável e dentro do peso, afirmou. “Além disso, não deixar que a comida seja o tema sobre o qual mais penso ao longo do dia.”