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De Israel à Tailândia: casal conta como teve filhos por barriga de aluguel

Pedro, Janderson e os filhos do casal, gerados por barriga de aluguel - Ana Paula Assis/Arquivo pessoal
Pedro, Janderson e os filhos do casal, gerados por barriga de aluguel Imagem: Ana Paula Assis/Arquivo pessoal

Denise de Almeida

Do UOL

07/02/2017 04h01

Para realizarem o sonho de serem pais, Pedro Maciel Filho, 43, e Janderson Lima, 37, encararam uma saga internacional, que envolveu uma agência de “barriga de aluguel” de Israel, uma doadora de óvulos da África do Sul e úteros da Tailândia.

Essa foi a forma encontrada pelo casal para aumentar a família, já que a prática no Brasil é proibida. A lei permite apenas a barriga solidária, quando o útero é cedido por alguma mulher de até 50 anos, desde que tenha parentesco de até quarto grau (mãe, irmã, avó, tia ou prima) com um dos pais, e sem transações financeiras envolvidas. 

O plano era ter dois filhos, um de cada pai, usando a mesma doadora de óvulos para ambos. Com momentos de frustração e muita ansiedade no caminho, foram feitas cinco tentativas de inseminação. De uma delas, a surpresa: uma gravidez de gêmeos.

Pais de Luisa, Valentina e Vitor, hoje com 2 anos de idade, o casal está junto há 16 anos e já tinha pensado em adoção, mas a longa espera da fila e a burocracia os fizeram mudar de ideia. Em depoimento ao UOL, Pedro contou como foi ter filhos por meio das barrigas de aluguel. Conheça abaixo a história desta família. 

A família nasce muito antes do bebê

Conhecemos um casal de israelenses, hoje grandes amigos nossos. Eles tinham dois filhos, gerados por barriga de aluguel. Não tínhamos o menor conhecimento de como era o processo. Eles explicaram que uma agência de Israel havia cuidou de tudo para eles. Como iriam viajar para lá, nos chamaram para conhecer o escritório, a estrutura e tudo mais junto com eles.

Na agência, nos explicaram todas as informações primárias. Quando você toma a decisão, eles fazem o cadastro e mostram um site de doadoras, onde há um quadro completo de saúde delas, com características físicas, fotos e tudo. Não só delas, mas dos pais e até características dos avós. 

Pedro, Janderson e os três filhos do casal, gerados por barriga de aluguel - Ana Paula Assis/Arquivo pessoal - Ana Paula Assis/Arquivo pessoal
Eles tiveram medo de nunca dar certo, mas geraram três filhos por barriga de aluguel
Imagem: Ana Paula Assis/Arquivo pessoal

Escolhemos a doadora e ela teve que ir para a Tailândia, onde fizemos o processo. Hoje em dia não se faz mais neste país: durante nossa gestação, novas barrigas de aluguel foram proibidas.

Quando você vai realmente aderir ao processo, tem que começar a estudar, a ver tudo. Porque a família nasce muito antes do bebê. Nós tínhamos uma história já e imaginávamos questões profissionais e tudo mais.

Falamos para nossa família: decidimos ter filhos e vai ser num processo interessante que vai precisar de barriga de aluguel. Todo mundo fica meio assustado, sem saber o que é isso, meio curioso e sem ter coragem de perguntar muito.

Teve quem falou "Pense bem, porque é uma decisão pro resto da vida. Porque tem ex-emprego, ex-marido, mas ex-filho não existe". Mas nós mostramos o tempo todo que estávamos certo que queríamos.

Medo de nunca dar certo

Não era certo que teríamos um filho. Você passa por uma bateria de exames e é como qualquer tentativa de gravidez: não tem garantia de sucesso. De um pai foram duas tentativas e do outro, três. A primeira de nenhum dos pais deu certo. A segunda de um pai deu certo e nasceram as gêmeas. Do outro, a segunda deu certo, mas perdemos o bebê na sexta semana. Na terceira tentativa, deu tudo certo e veio o Vitor.

A pessoa tem realmente que ter um equilíbrio emocional. Você fica numa expectativa muito grande quando transfere o embrião para o útero. Quando dá negativo é muito ruim, é muito pesado. Você fica frustrado, não que queira desistir, mas com medo de nunca dar certo.

E quando o resultado dá positivo e, na hora do ultrassom, não tem o coração batendo, é um baque muito grande. O casal sentiu muito nesse momento, porque a gente já estava meio eufórico. Por isso que eles sugerem realmente para não falar até a 12ª semana. A gente só contou mesmo para a família quando chegou nesse período. 

sombra Pedro, Janderson  - Ana Paula Assis/Arquivo pessoal - Ana Paula Assis/Arquivo pessoal
"Era uma felicidade tão grande, que em momento nenhum a gente questionava nossa decisão"
Imagem: Ana Paula Assis/Arquivo pessoal

“Tínhamos que nos preparar”

Você acompanha a gravidez à distância, através dos exames mensais. Durante um período da gestação, principalmente na das gêmeas, chegava ultrassom para a gente a cada 15 dias, com qualidade e resolução muito boas. Se tivéssemos alguma dúvida, levávamos o resultado a médicos aqui no Brasil, pra ter um maior esclarecimento. 

Procuramos uma maternidade em Belo Horizonte e fizemos um curso presencial de cuidados com as crianças, de primeiros socorros, de tudo.

Quando as crianças nasceram, não foram parentes nem babá que cuidaram. Eram apenas eu, Janderson e os filhos. Por um mês, para ter uma imersão mesmo. Passamos nove meses longe da gestação, então para que houvesse um contato e essa transformação de pais e filhos, achamos isso importante.

Lemos bastante durante esses nove meses e descobrimos que era muito importante a criança sentir segurança em quem está recebendo ela nesse mundo. 

Felicidade sem tamanho

As gêmeas estavam previstas para nascerem no dia 29 de outubro, mas elas vieram dez dias antes. Trocamos passagens, foi uma maratona, mas elas nasceram antes da gente chegar.

Da maternidade fomos para o hotel, demos os primeiros banhos. As famílias, de longe, estavam ansiosas e curiosas. E a gente, numa felicidade que não cabia em nós. Isso tudo em um país desconhecido, onde você não tem amigos e está sem o apoio de ninguém.

Ainda assim era a certeza de uma felicidade tão grande, que em momento nenhum a gente questionava nossa decisão. Foi muito gratificante, um crescimento impressionante como ser humano.

Três meses depois, nós deixamos as meninas com a família e com as babás aqui no Brasil e voltamos para a Tailândia. Chegamos cindo dias antes do Vitor nascer. Quando nasceu, teve todo aquele processo de novo, na parte sentimental. 

Briga na Justiça por quase dois anos

Tivemos que ir ao Ministério do interior da Tailândia para emitir a documentação de que a criança nasceu lá, fruto de uma barriga de aluguel. Tem que pedir toda a documentação como uma criança tailandesa. Depois, fomos à Embaixada do Brasil para começar os trâmites de legalização, de emissão de certidão de nascimento e passaporte, para aí então começar a cuidar da viagem e trazer as crianças para o Brasil.

Quando cheguei aqui, a dificuldade para fazer os documentos me assustou. Para a gente conseguir tirar o nome da barriga de aluguel, que constava como mãe, e colocar o nome do outro pai foi uma briga na Justiça por quase dois anos.

A coisa mais sem nexo, sem sentido: a criança não poder ir para a escola porque ela não tem uma certidão no Brasil. Isso foi me incomodou muito. 

Pedro e Janderson e os filhos do casal, gerados por barriga de aluguel - Ana Paula Assis/Arquivo pessoal - Ana Paula Assis/Arquivo pessoal
"Mudou toda a nossa história", conta Pedro sobre a paternidade
Imagem: Ana Paula Assis/Arquivo pessoal

Foi muito complexo. Eu, particularmente, como tinha o sonho muito grande de ter filhos, eu não tinha o menor medo por ser uma gestação à distância, do que seria trazer esse filho para o Brasil. Eu queria ter os meus filhos e eu traria eles a qualquer custo para cá. 

Por uma sugestão de advogados, quando os bebês nasceram, na maternidade mesmo já colheram o DNA do pai biológico e dessa mulher que constava como mãe. E deu lá 0%, porque não tem o menor vínculo genético com ela. Isso que nos ajudou muito na Justiça aqui no Brasil.

“Mudou toda nossa história”

Quando voltamos para o Brasil, a gente recebia 60 mensagens por semana nas redes sociais. A barriga de aluguel era um processo muito desconhecido. Até hoje existem famílias que às vezes vêm perguntar curiosidades para nós.

Temos o maior prazer em esclarecer, até mesmo porque há alguns anos também desconhecíamos isso, e foi o que mudou toda a nossa história. Não só a minha e a do Janderson, mas da família inteira dos dois.

Nossos parentes, que moram em diferentes Estados, agora passam o Natal aqui. Se a gente não tivesse tido a curiosidade e coragem de fazer isso, olha o quanto nossa vida não teria sido modificada! Pra nós foi uma decisão muito certa.

Está pensando em ter filhos? Veja os conselhos do Pedro

  • A pessoa primeiro tem que ter a certeza que quer ter um filho. Filho não é brincadeira e é uma coisa para o resto da vida. A partir do momento que você decidiu ter seu filho, não importa se você é hétero ou gay, procure um método que vai conseguir preencher suas expectativas.
  • Se optar pela barriga de aluguel, procure uma empresa séria. Que te auxilie não só durante a gestação, mas depois também, nos trâmites todos até você conseguir trazer seu filho para o Brasil. Isso é um passo muito importante.
  • A decisão de ter um filho é algo muito pessoal. Você não pode deixar que ninguém, nem seu parceiro, interfira nisso. Porque é uma sensação maravilhosa, mas desde que seja uma escolha sua. Depois da euforia vem uma vida normal, com cartão de vacinação, escola... e a sua felicidade tem que estar plena para tudo isso.