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Na odisseia por uma vaga: mães contam por que crianças não estão na escola

Bruno miranda/Folhapress
Imagem: Bruno miranda/Folhapress

Denise de Almeida

Do UOL

30/03/2017 23h02

João Vitor, de 3 anos, esperou cinco meses na fila para uma vaga em creche. Mas ela surgiu apenas em um outro bairro e Carla Prado, 42, mãe do garoto, preferiu desistir da matrícula. João faz parte das estatísticas divulgadas pelo IBGE no último dia 29, que mostram que 75% das crianças com menos de 4 anos estão fora da escola.

Moradora da região de Interlagos, Carla fez a inscrição de João em uma creche no bairro de Veleiros, próximo de sua casa, em outubro de 2016. No dia 25 de março, seu filho foi chamado para se matricular. 

“Só que a escola em que surgiu a vaga fica em outro bairro, no meio de uma favela. Não é por preconceito. A gente tem medo de entrar na favela, porque não é todo dia que está aquela santa paz. Fiquei preocupada também com o tipo de amiguinhos que ele teria lá, porque às vezes a criança começa a aprender muito palavrão na escola”.

Receosa, Carla preferiu não colocar o filho na instituição. “Desisti da vaga e agora vou ter que entrar de novo na fila e ver o que vai acontecer. Para transferir ele para outra vaga, eu teria que fazer a matrícula, levar ele na escola e só depois pedir a transferência. Nesse ano, pelo jeito, ele já não vai estudar mais”. 

Mãe de duas crianças, ela trabalha vendendo cosméticos em casa e acaba se desdobrando para também cuidar de João, enquanto Antônio, seu filho mais velho, está em uma escola particular. "Estamos fazendo das tripas coração para ele continuar lá. Senão, quem vai ser o meu filho no futuro? Isso me preocupa muito".

O esforço da família pela educação paga é ainda maior agora, pois o marido de Carla está desempregado. "É muito dinheiro que você gasta, com material e tudo mais. Com meu marido fazendo 'bicos' e eu vendendo cosméticos, que é difícil você ganhar um dinheiro bom, está bem difícil. Pensei em arrumar um emprego, mas com o que eu ganharia não conseguiria pagar uma escola ou alguém para ficar com o João. Comigo trabalhando em casa, pelo menos eu sei que eles estão bem cuidados”, acredita.

Inscrito em 6 escolas, mas sem vaga 

Bryan tem 4 anos já poderia estar na pré-escola, mas quase no fim do primeiro trimestre letivo o garoto ainda não conseguiu uma vaga para estudar. A mãe dele, Sheila Vasconcelos Silva, 38, inscreveu a criança em quatro diferentes escolas de São Paulo e duas de Diadema. 

A procura incluiu até uma unidade a 4km de distância do bairro Jardim Eldorado, onde a família mora. Em uma das escolas, o garoto é quase o número 500 da fila, segundo a mãe. Na melhor colocação, em uma instituição de Diadema, ele é o 45º na espera. 

“Fui informada em uma das EMEIs (Escolas Municipais de Educação Infantil) que a prioridade das vagas é para crianças vindas da creche. E, se sobram vagas, eles dão a quem fez a inscrição. Caso contrário, tenho que esperar mais um ano”, desabafa Sheila. 

Assim como a maioria apontada na pesquisa do IBGE, a criança não estava na creche até os 3 anos. Mas isso porque a mãe, até pouco tempo, entrava no trabalho às 6h30 da manhã. “Não tinha creche que pudesse receber ele tão cedo. A maioria delas funciona a partir das 7h. Então, como eu tinha mãe por perto, optei por deixar o Bryan com ela. Pagava para ela ficar cuidando dele”. 

“Hoje ele tem 4 anos e eu não consigo vaga na escola, exatamente porque ele não estava na creche. Até questionei a moça da escola, porque se meu filho não está na creche não significa que eu não trabalhe. Eu preciso da vaga”, explica Sheila.

Ela está desempregada desde o mês passado e conta que a mãe já não tem condições de cuidar da criança em tempo integral. "Minha mãe é uma senhora de idade, ela está doente. Preciso de um lugar para ele ficar, mas não consegui vaga até hoje. Sinceramente, não sei o que vou fazer, se vou voltar a trabalhar ou não, porque não vou ter com quem deixá-lo”. 

Sheila conta que chegou a procurar até mesmo a Secretaria da Educação. "Me disseram que, uma vez que ele consta inscrito aguardando uma vaga, eu tenho que esperar. Tanto pode acontecer daqui 1 mês, como daqui 6 meses, como daqui 1 ano. Não tem prazo".

Em comunicado enviado ao UOL, a Secretaria Municipal de Educação de Diadema, onde o garoto aguarda uma vaga há seis meses, informa que a região onde está localizada a escola escolhida “é uma das mais populosas e com maior demanda para Educação Infantil Parcial” e que Bryan é o 90º da fila. A Secretaria disse ainda que entrará em contato com a mãe da criança para verificar se há interesse em outra unidade escolar próxima da residência.

Já a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo respondeu que, no momento, a região onde Sheila mora "está em processo de matrícula para as crianças com cadastro mais antigo”. Disse ainda que até agora mais da metade das crianças cadastradas no início do ano já foram matriculadas.

Vale lembrar que a Constituição Brasileira obriga as prefeituras a assegurar vagas para todas as crianças de zero a três anos nas creches e a partir dos 4 anos no ensino infantil.