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"E quando vem o seu?" 6 gafes que pais de filhos adotivos ouvem sempre

Getty Images
Imagem: Getty Images

Vivian Ortiz

Do UOL, em São Paulo

25/05/2017 18h00

Você conhece alguém que adotou ou que ainda está aguardando pela adoção de um filho? A empresária Renata*, 37, proprietária da página "Adoção Sincera", quis fazer uma espécie de manual contra gafes, justamente voltado para quem não quer passar vergonha alheia na frente de algum pai adotivo.

A experiência é pessoal, pois ela e o marido, também com 37 anos, têm dois filhos, uma menina de oito e um menino de dez anos, frutos de uma adoção tardia (termo que designa a adoção de crianças maiores).

No Dia Nacional da Adoção, celebrado nesta quinta-feira (25), o UOL lista algumas das gafes mais comuns sobre o assunto. Confira!

Gafe nº 1: "Parabéns pelo gesto"

Escolher ser o pai ou a mãe de alguém é um compromisso muito maior do que fazer caridade, simples assim. A família está agregando novos membros e, exatamente por isso, soa muito errado alguém dizer: parabéns pelo seu gesto!

"Por favor, me parabenize agora porque sou mãe. Acho que também ofende porque as pessoas não reconhecem que, quando você adota, tem um filho", diz Renata. Falar em "gesto" dá um tom meio de "olha que legal, você acolheu aquela pobre criança", e a situação está longe de ser assim.

Gafe nº 2: "O seu marido é negro?"

Questionar se a criança  ou adolescente é adotada por si só não é uma gafe, até pelo assunto fazer parte da história dessa pessoa e da maneira como ela chegou até a família. O problema são as situações onde esses comentários surgem. Normalmente, quem fez uma adoção inter-racial costuma sofrer mais com esse tipo de comentário.

Renata lembra de uma história contada por uma dos participantes de um grupo de adoção do qual participa. O casal branco havia adotado uma menina negra. "A família foi tirar o RG da filha após sair a certidão de nascimento definitiva e a moça questionou: "o seu marido é negão"? Dessa maneira", conta.

Os dois acabaram fazendo piada sobre o assunto na hora, como forma de lidar com a saia justa, mas isso é um exemplo do quanto as pessoas se sentem no direito de perguntar mesmo para desconhecidos. "Por qual motivo? Até porque se você tem dois pais que são brancos e a criança é negra, está óbvio que é uma adoção. Ninguém precisa ficar questionando", diz.

Gafe nº 3: "Onde estão os pais verdadeiros?"

Se você é bem próximo à família, pode até ficar curioso sobre os pais biológicos da criança adotada, mas nunca pergunte sobre os "pais verdadeiros". Afinal, eles estão ali na sua frente. "Quando fala desse jeito, a pessoa nega a maternidade e a paternidade via adoção, colocando como falsa. E o pai real é quem adota", diz Renata.

Contudo, também é importante ter um pouquinho de bom senso. Apenas questione isso se tiver a devida intimidade com a família. Também tenha discrição: nunca faça isso na frente das crianças. "O assunto envolve muitas lembranças complicadas, então não dá para chegar e sair perguntando abertamente", diz.

E existe ainda uma terceira situação: no caso de crianças que foram adotadas bem novas, muitos pais deixam para introduzir o assunto mais tarde, normalmente de forma lúdica. "Questionar do nada por criar uma confusão desnecessária na cabeça da criança, pois ela não vai entender o que está sendo dito", ressalta.

Gafe nº 4: "E quando vem o seu?"

Renata conta que, infelizmente, essa frase é muito comum. Quando já havia dado a entrada nos papéis da adoção, ela acabou engravidando. E uma conhecida veio dizer, super feliz, que havia rezado bastante para que Renata tivesse "o dela". "Só que eu ia ter 'o meu' filho, mas não ia desistir da adoção", conta.

No final, a gestação não foi para frente e o casal manteve os planos de adoção. "É comum ouvirmos algo assim, mas parece que estamos pegando algo emprestado, e não é isso. A verdade é que sou mãe dessas crianças tanto quanto seria de um filho biológico. E ponto", diz.

Gafe nº 5: "A fulana deu entrada na adoção e logo ficou grávida"

Outro comentário bastante comum é: 'eu conheço a fulana que, quando deu entrada nos papéis para adoção, ficou grávida'. Adoção não é tratamento contra fertilidade e a frase passa a impressão de que a pessoa pensa que o processo não passa de uma maternidade de segunda linha, ou mesmo uma forma psicológica de "desencanar".

"Até porque estamos tratando da vida de uma criança, que vai depender dos pais", diz. Por isso, a adoção precisa ser uma decisão bastante consciente, que passa por vários processos burocráticos justamente para evitar erros lá na frente. Por isso, não reproduza esse tipo de comentários.

Surpreendentemente, Renata conta que chegou a ouvir da própria assistente social esse papo. "Ela deveria ser a primeira pessoa a apoiar a adoção por si só, não como uma alternativa para desencanar e, quem sabe engravidar. Achei muito estranho", diz.

Gafe nº 6: "Como eles são parecidos com vocês, que bom!"

Se a criança for parecida fisicamente com o casal, ótimo!  Mas isso é algo circunstancial, pois, muitas vezes, os filhos acabam mesmo sendo parecidos e ninguém sabe explicar o motivo. O problema é colocar isso como uma característica muito importante, ressaltando o "que bom".

"Parece que as pessoas ficam buscando isso, essa suposta vantagem para conseguir 'esconder a adoção' e não precisa contar para ninguém", destaca Renata. E ninguém precisa ser parecido com o filho para que a adoção seja melhor. Por isso tudo, evite fazer essas gafes com essas famílias.

"A adoção é a melhor coisa do mundo e a solução, não problema. Mas, às vezes, as pessoas enxergam como uma coisa muito traumática, como uma criança 'coitada'. Só que eles não são coitados por terem sido adotados, muito pelo contrário, eles têm muita sorte, assim como nós temos de sermos os pais deles", diz.

* O nome completo da entrevistada foi omitido a pedido da mesma.