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O médico me disse: Gorda assim pode trepar à vontade que não vai engravidar

A professora Samira Mariano Galarza Torres, em foto durante a gravidez - Arquivo pessoal
A professora Samira Mariano Galarza Torres, em foto durante a gravidez Imagem: Arquivo pessoal

Adriana Nogueira

Do UOL

13/09/2017 04h00

“Gorda desse jeito pode trepar à vontade que você não vai conseguir engravidar”. Essa foi a frase que a professora de ensino médio Samira Mariano Galarza Torres, 38, de Vila Velha (ES), ouviu de um médico.

Ela, que tem 1,54 m de altura, estava pesando 97 kg. Já havia procurado o mesmo profissional para tratar miomas no útero (tumores benignos). O problema poderia ser uma das causas da dificuldade para engravidar que estava enfrentando. No consultório, ela descobriu que o sobrepeso poderia ser outro obstáculo. Grosserias à parte, é verdade que a obesidade pode causar infertilidade, o que não justifica o desrespeito.

Na história da professora, nem os miomas nem o excesso de peso impediram a gravidez. Poucos meses depois da consulta, e sem fazer nenhum tratamento, ela engravidou naturalmente do filho, Enzo, hoje com quatro anos.

Grávida e sem obstetra

A professora, no entanto, começou uma peregrinação em busca de um obstetra para fazer o pré-natal. “Fui na ginecologista que já cuidava de mim e, toda feliz, contei que estava grávida. Ela virou e falou: ‘Você vai me dar trabalho gorda desse jeito’.”

Após o novo choque, ela decidiu buscar outro obstetra para acompanhar a gestação. “Foram três até encontrar um que me passasse confiança. Estava feliz por estar grávida, mas triste por não ter um médico. Aliás, fiquei com muito medo de não encontrar um.”

Samira tinha pressão alta antes de engravidar, e fez controle rígido do problema com um cardiologista. Mas, fora isso, não teve nenhuma intercorrência comum a gestantes obesas, como diabetes gestacional.

Ao longo da gravidez, engordou oito quilos, um número considerado adequado, e o filho nasceu saudável. “Apesar disso, não sei se quero engravidar de novo”, fala ela, que alcançou o peso de 73 kg após se submeter a uma cirurgia bariátrica.

Sem julgamentos

Segundo Maria Edna de Melo, presidente da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica), uma mulher com IMC (Índice de Massa Corporal) acima de 30 pode enfrentar mais complicações na gravidez. Mas cabe ao médico fazer o acompanhamento mais adequado e não julgá-la.

“O profissional de saúde tem de ter uma abordagem receptiva com o obeso, que já é muito discriminado em vários espaços da sociedade”, fala Maria Edna.

A especialista fala que em medicina não existem as palavras “nunca” e “sempre”. “Não dá para falar que a gestante obesa nunca terá nenhuma intercorrência nem que sempre terá.”

Samira Mariano Galarza Torres, personagem de matéria de UOL Estilo sobre grávida obesa - Tassila Costa/Divulgação - Tassila Costa/Divulgação
Samira com o filho, Enzo; hoje o menino tem quatro anos e ela não pensa em engravidar de novo
Imagem: Tassila Costa/Divulgação

Os riscos são reais

Eduardo Cordioli, ginecologista e obstetra do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, diz que a obesidade torna, por si só, a gestação de risco. Segundo ele, a gestante obesa exigirá um monitoramento mais rigoroso, por meio de exames e eventualmente um menor intervalo entre as consultas de pré-natal.

“Mesmo que não tenha diabetes ou histórico da doença na família, a grávida com sobrepeso terá de fazer um exame para checar a curva glicêmica no início da gestação e outro na metade dela, por exemplo. Uma mulher que não é obesa só faria um, por volta da 20ª semana”, explica Cordioli.

Além de diabetes, outros problemas comuns a gestantes obesas seriam hipertensão arterial e pré-eclâmpsia (pressão alta associada à perda de proteína no útero), quadros que põem em risco a vida da mãe e do bebê.

Ganho de peso ideal

A endocrinologista Maria Edna recomenda acompanhamento nutricional e atividade física para a gestante –desde que liberada pelo ginecologista e obstetra. 

Se uma grávida com IMC até 24,9 tem uma recomendação de ganho de peso ideal entre 11 kg e 16 kg, a que tem IMC acima de 30 deve ficar entre 5 kg e 9 kg (dados da Abeso). 

Engana-se quem pensa que não engordar nada deva ser a meta das grávidas obesas. “Se exagerar no controle alimentar e não ganhar peso, a mãe pode comprometer o desenvolvimento do bebê”, fala Cordioli.

Tipo de parto

Outra preocupação na gravidez de uma mulher obesa é o tipo de parto. É possível que seja mais difícil para ela ter um parto normal, diz o ginecologista e obstetra Eduardo Cordioli.

A gordura do corpo faz com que haja uma grande quantidade de estrona circulando no corpo. A substância dificulta que o útero fique ativo para ter contrações. “É comum que a mulher tenha de receber remédios para induzir o parto normal.”

A despeito dessa dificuldade, o ginecologista e obstetra Mario Macoto, do Hospital e Maternidade Santa Joana, também na capital paulista, fala que, tendo condições, é preferível que a mulher evite a cesárea.

“Por conta das camadas de gordura no abdome, no parto cesáreo, a mulher enfrenta mais riscos de infecção e de sangramento”, explica Macoto.

Bebês macrossômicos

Mães obesas podem ter filhos com mais de 4 kg ou 4,5 kg –considerados bem maiores do que a média–, os chamados bebês macrossômicos. A condição pode dificultar e até impedir o parto normal e exige que a criança seja monitorada com mais rigor após o nascimento.

Um dos riscos é que o bebê macrossômico tenha hipoglicemia (pouco açúcar no sangue), condição que, em recém-nascidos, pode levar a danos neurológicos.

A obesidade da mulher pode, ainda, afetar a saúde futura do filho. “Filhos de mãe obesa podem se tornar obesos também”, diz a endocrinologista Maria Edna de Melo.

A explicação estaria na carga genética, mas também nos hábitos alimentares da família, de acordo com o obstetra Cordioli.

Bariátrica

No caso de mulheres que fizeram cirurgia bariátrica é preciso cautela antes de engravidar. A endocrinologista Maria Edna afirma é preciso esperar, pelo menos, dois anos após o procedimento.

“Pela própria natureza da cirurgia, que é mutiladora, a pessoa pode ficar com deficiência de ferro e de vitamina D, principalmente, o que prejudicaria o desenvolvimento do bebê”, diz Cordioli.