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A solidão da mãe de um autista: "Não sou especial"

Theo com os pais Andrea Werner e Leandro Bonoli - Arquivo pessoal
Theo com os pais Andrea Werner e Leandro Bonoli Imagem: Arquivo pessoal

Daniela Carasco

do UOL, em São Paulo

27/09/2017 04h00

A jornalista e escritora Andréa Werner, 41, viu sua vida se transformar há nove anos, quando deu à luz Theo, um menino autista. Desde então, interpretou o diagnóstico como uma espécie de atestado de óbito, superou o luto, perdeu amigos, sentiu uma solidão profunda e encarou inúmeros preconceitos para inseri-lo no mundo. Em escolas regulares, viu crianças como ele serem tratadas como "autistas de estimação". Hoje, ela celebra os aprendizados ao lado do filho, mas teme deixá-lo após a morte. Leia o relato dela:

“Engravidei do Theo, meu primeiro e único filho, em 2007, dois meses depois de me casar. Eu tinha o sonho de me tornar mãe e, naturalmente, ele se tornou uma criança muito esperada por toda a família. Nossos pais estavam ansiosos pelo primeiro neto.

A gravidez foi muito tranquila, sem nenhuma intercorrência. O Theo nasceu grandão, com 53 cm e quase 4 kg. O desenvolvimento enquanto ele era bebê foi aparentemente normal. Aos 5 meses, falou ‘papai’, aos 6, ‘mamãe’. Desinibido, começou cedo a cantar uns pedacinhos de música, gritava, batia palmas.

Primeiros sinais com 1 ano

À medida que ele se aproximava do primeiro ano de vida, as coisas começaram a mudar. Theo foi perdendo as habilidades que tinha adquirido. No primeiro aniversário, não bateu palminhas durante o parabéns. Para nós, era só uma questão de personalidade forte.

Aos dois anos, ele entrou na escolinha e as professoras notaram uma falta de interação com as outras crianças, contato visual precário e fixação por objetos em movimento. Logo, veio um pedido da escola para que fizéssemos uma avaliação com um neurologista. Foi aí que recebemos o diagnóstico: Theo é autista. 'Tem cura?' Essa foi a minha primeira reação.

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É um momento de luto

Senti como se meus sonhos tivessem acabado. Era como se meu filho tivesse morrido ali. A urgência imposta pelos médicos quanto ao tratamento, com a justificativa de que o cérebro da criança se desenvolve muito até os três anos. Digo que é como trocar o pneu com o carro andando. Estava sofrendo muito, mas tive que correr atrás dos melhores profissionais que pudessem ajudar meu filho.

Fonoaudiólogo, psicóloga, terapia ocupacional... O Theo já fez de tudo um pouco. Consultar um psicólogo ajuda a lidar com situações completamente desconhecidas como essa. É difícil sair de um luto sozinha. Alguém precisa te mostrar a luz no fim do túnel.

theo a andréa werner - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Theo e a mãe Andréa Werner
Imagem: Arquivo pessoal
Ser mãe de um autista é um processo solitário

Assim que o diagnóstico chega, você deixa de ser uma mãe comum e se torna a ‘mãe especial’, aos olhos dos outros. Aquela que ‘tem uma força fora do normal’ e foi ‘predestinada a essa função’. As pessoas me olham com dó. Já cheguei a ouvir que ‘Deus não dá um fardo mais pesado do que se pode carregar’. É preciso parar de romantizar a maternidade de modo geral.

Muita gente, sem saber como agir, se afasta. Perdi amigos que não sabiam o que falar naquele momento difícil, e essa uma situação pela qual muitas mães passam. Se mostrar solícito e se fazer presente é tudo o que a gente precisa.

Essa sensação só se reverteu com a rede de apoio de mães de crianças autistas que se construiu ao meu redor. Por meio do blog ‘Lagarta Vira Pupa’ e das redes sociais, encontrei mulheres que, assim como eu, se sentiram diminuídas e tiveram sua autoestima completamente abalada com o isolamento. Elas se tornaram minhas melhores amigas.

Ainda existe um discurso equivocado de que, quanto mais descuidada for nossa aparência --cabelo branco, unha por fazer, olheiras--, maior é nossa dedicação e, consequentemente, o progresso dos filhos. É como se tivéssemos que abrir mão de tudo ao dar à luz uma criança com deficiência. De uma hora para outra, sem que eu pudesse escolher, minha missão se tornou uma só: ser a mãe do Theo. 

O autismo é muito mais comum do que se imagina

Cerca de 1% da população mundial é autista. E para que essa parcela seja de fato amparada socialmente, é preciso derrubar os estereótipos. O autismo é um espectro. Vão existir desde aqueles que precisam de ajuda pelo resto da vida, que têm problemas motores e usam fraldas quando adultos, até aqueles que só têm dificuldade de interação e socialização, mas fazem faculdade e constroem uma família. Eles não são especiais!

Por mais que a Lei 9.394 obrigue instituições de ensino regular a aceitar crianças com deficiência, a realidade que encontramos é outra. Ainda há resistência e, quando não há, é o despreparo que choca. A criança vira um autista de estimação dentro da escola. A metodologia e o material pedagógico precisam ser adaptados.

O Theo está na segunda série de um colégio que segue moldes europeus, uma raridade no Brasil. Ele faz parte de uma sala de crianças com dificuldade de aprendizado, que são atendidos de acordo com suas necessidades durante as disciplinas de alfabetização e participa das aulas coletivas -- música e educação física -- como qualquer outro aluno da instituição. As crianças adoram ele!

Eles têm muito a nos ensinar

Como muitos, o Theo não fala. Porém, já me deu verdadeiras aulas sobre o valor da vida. Ele tem uma delicadeza e sensibilidade única para lidar com detalhes. Ao vê-lo observando as folhas caírem pela janela ou a chuva molhar a rua lá fora, também me tornei uma pessoa mais contemplativa. Não lhe dei um irmãozinho, porque a chance de ter um bebê autista na segunda gestação é grande, cerca de 20%. E os custos para criar uma criança nessas condições são muito altos.

Hoje, meu maior medo é a incerteza sobre o que vai acontecer com meu filho após a minha morte. Tento acreditar no progresso da ciência. É o avanço da medicina que me acalma e me conforta.”