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Não precisa ser machão e pode chorar: como criar meninos nos novos tempos

Escola do Ser se dedica a derrubar os estereótipos femininos e masculinos - Getty Images
Escola do Ser se dedica a derrubar os estereótipos femininos e masculinos Imagem: Getty Images

Daniela Carasco

do UOL, em São Paulo

10/10/2017 04h00

“Quando um menino é ensinado a fazer xixi na rua, ele entende que o espaço público é sua propriedade.” Essa reflexão serviu de ponto de partida para as professoras do projeto Escola do Ser, em Goiás (GO), adotatem novas práticas de ensino infantil. Elas queriam atuar na prevenção da violência sexual e de gênero. Por isso, a psicóloga escolar Nathalia Borges, 28, e mais duas colegas entenderam que, além de falar sobre empoderamento feminino com as meninas, era necessário tratar de masculinidades com os meninos na sala de aula.

“Precisamos tratar das situações machistas do cotidiano, que também atingem os meninos, para alcançar a igualdade”, diz ela. “Hoje, trabalhamos com 30 alunos, com idades entre 6 e 14 anos, entre meninos e meninas, que descobrem diariamente novas possibilidades.”

O enlace da Princesa Ariel, aos 16 anos, por exemplo, é referência para o debate sobre casamento infantil. Já o Batman e a Mulher-Gato são usados como exemplo de divisão igualitária de tarefas. A liberdade de brincar com qualquer tipo de brinquedo, assim como a descoberta de seus próprios sentimentos, são estímulos frequentes.

“Aqui, meninos brincam de boneca e são incentivados a chorar se sentem vontade. Qualquer repreensão quanto a isso é contestada”, conta Nathalia. Com o intuito de ultrapassar os limites da sala de aula, o projeto deu origem ao curso on-line “Princesas de Capa, Príncipes de Avental” e à página “Já Falou Para Seu Menino Hoje?”, com mais de 265 mil seguidores.

Existe uma lacuna na educação de meninos

Para Nathalia, não basta dizer às meninas que elas não precisam se dar ao respeito, porque já o tem, se os meninos não são ensinados a respeitá-las. “O machismo é violento com as mulheres. Mas os homens também sofrem com ele. Eles são criados para provarem que são machos. São orientados a serem agressivos, dominadores e a falarem mais alto e grosso.”

E as consequências que sofrem por conta disso são muitas: eles têm a orientação sexual questionada o todo tempo, os casos de abusos sexuais contra meninos são pouco notificados e os números de casos de suicídio entre eles ultrapassam o de mulheres.

Como os pais deveriam ensiná-los

Nathalia afirma que pequenas atitudes do dia a dia são capazes de transformar uma realidade machista e criar uma geração mais feliz. As lições devem ser aplicadas na escola e dentro de casa. Ela destaca cinco:

  • Ensine sobre empatia: meninos precisam aprender a se colocar no lugar do outro, e isso só será possível à medida que eles conhecerem seus próprios sentimentos e dores físicas e emocionais. Portanto, jamais diga a eles que homens não choram.
  • Fale sobre consentimento: ainda é bastante comum que agressões físicas entre crianças sejam tratadas como indícios de paquera. Diga que, quando uma menina lhe diz “não”, ela está de fato negando. A única maneira de demonstrar amor é por meio do afeto e do carinho.
  • Nunca diga “seja homem”: ao pedir que se comporte como o estereótipo de macho, você exige que ele negue sentimentos e seja agressivo. Isso é opressor e violento.
  • Abandone a expressão “segura seus cabritos que meu bode está solto”: ao legitimar o ataque dos filhos, você reforça a cultura do estupro desde a infância.
  • Não setorize atividades: abandone os clichês de que dança é coisa de menina e futebol, de menino. Maneiras de expressão corporal e brincadeiras são atividades lúdicas que estimulam a satisfação pessoal, capacidade de agir coletivamente e autodescobertas. Proibir é limitar.

As crianças estão atentas!

A importância do ensino focado na igualdade de gênero se prova cada vez mais eficaz nas experiências que os alunos de Nathalia costumam trazer de casa. “Os meninos questionam por que depois do almoço de domingo, os homens deixam a mesa, enquanto as mulheres vão arrumar a cozinha”, relata a psicóloga. “Já outro adolescente nos contou que ao ver um amigo chamando uma menina de gostosa, o reprimiu dizendo que ela estava desconfortável e que ele não tinha o direito de fazer um julgamento pejorativo daquele.”

Pouco a pouco, as informações e o senso crítico construído vão se provando como chaves importantes da mudança cultural e social. E os pais se mostram agradecidos diante da evolução dos filhos. “Eles querem vê-los crescer como pessoas melhores, em um mundo melhor”, diz Nathalia.