Topo

O ego, o "too much", o insuportável dos estilistas está fora de moda

02/06/2010 18h56

PARIS, 2 Jun 2010 (AFP) -Estilistas pragmáticos que sabem se manter discretos diante dos holofotes, como o criador da Lacoste, que vai suceder a Jean-Paul Gaultier na Hermès ou o britânico Giles Deacon, recém-chegado à Casa Ungaro, abrem caminho num mercado da moda, acostumado a egos exaltados e muita publicidade.

 

"São estilistas para os quais a moda deve ter um sentido e não só brilho, o que é uma consequência direta da crise", disse o consultor Jean-Jacques Picart em entrevista à AFP. "Não são realmente criadores, preferem mesmo o termo estilistas. O ego, o 'too much', o importável, tudo isso está fora de moda", acrescentou Picart.

 

No mundo da moda, os contratos são curtos, com frequência de dois ou três anos. Assim, por exemplo, o mês de maio é propício a mudanças: "a próxima coleção já está elaborada, o que atrapalha menos as coisas", explica Donald Potard, assessor de estilistas.

 

"Claro que se pensa no mercado", mas ao contrário do jogador de futebol, que está sempre pronto, o estilista tem que instalar uma coleção inteira e se adaptar aos códigos da marca", acrescenta Portard. "Inclusive para romper com eles", reconhece Olivier Saillard, o novo diretor do Museu da Moda Galliera.

 

A passagem de uma casa de costura a outra, frequente desde os anos 1960, parece acelerar-se. Saillard estima que a passagem de Gaultier pela Hermès, onde dirigiu por sete anos o prêt-à-porter feminino, permitiu que instalasse, com o tempo, um projeto.

 

Já as casas que mudam de estilista ao final de cada temporada, como aconteceu recentemente na Ungaro, entram numa dinâmica "histérica", quase "cômica".

 

"Não existe receita, mas as boas mudanças são feitas com a cabeça sossegada, sem preocupação com os anúncios", considera, citando como exemplo a chegada discreta de Nicolas Ghesquière à Balenciaga em 1997, que se transformou imediatamente em "um dos criadores mais influentes", ou de Alber Elbaz na Lanvin, em 2001.

 

"Os criadores melhoram uma marca, mas isso não se consegue em uma só temporada", insiste. Na opinião de Picart, o ideal seria não se adiantar antes da terceira coleção: "na primeira, o estilista mostra seus desejos. Na segunda, permite corrigir eventualmente a mira e na terceira confirma".

 

A aceleração neste jogo, como os passes de jogadores de futebol, transforma o estilista em uma estrela e impede "humildade", quando a realidade é o trabalho, não os efeitos, o que permite se impor, como mostra o longo e discreto percurso de Véronique Nichanian", responsável pela coleção masculina da Hermès há mais de 20 anos.

 

Os estilistas "substituídos" recentemente, Christophe Lemaire na Hermès e Giles Deacon na Ungaro, mantêm-se mais ancorados" na realidade e menos nos brilhos", assegura Picart. "Movem-se menos no excesso, na ostentação, na futilidade que alguns de seus predecessores", e não é tanto uma questão de geração (Lemaire tem 45 anos e Deacon tem 40), mas uma nova atitude ligada, segundo ele, à crise.

 

O número de substituições recentes é, na opinião deste consultor, "um bom sinal" para o setor. Segundo alguns observadores, a temporada de mudanças poderia trazer algumas surpresas para a indústria da moda.