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Em tempos industriais, lenços Hermès valorizam o luxo por meio do artesanal

Dois lenços da Hermès: o primeiro é da linha "J"aime mon Carré"; o segundo homenageia a bolsa Kelly - Montagem/UOL
Dois lenços da Hermès: o primeiro é da linha "J'aime mon Carré"; o segundo homenageia a bolsa Kelly Imagem: Montagem/UOL

CAROLINA VASONE

Enviada especial a Paris

01/10/2011 07h00

Um lenço Hermès custa cerca de 300 euros (cerca de R$ 750) numa das lojas de Paris. No Brasil, sai - e sai muito, já que é o item mais vendido na única loja da grife no país, no shopping Cidade Jardim (SP) - por R$ 1.450. Um centímetro quadrado valorizadíssimo de seda, considerados os 90 cm x 90 cm que mede um lenço padrão, no formato que lhe rendeu o nome de batismo de "carré" (quadrado, em francês).

Pois bem. No mercado do luxo extremo, este de lenços Hermès e bolsas Chanel, não há matemática que explique o preço dado a cada produto. Há valor agregado da tradição da grife - no caso da Hermès, mais que secular, já que foi criada em 1897 -, das clientes célebres (Grace Kelly, Catherine Deneuve e Jackie O. estão entre as muitas que usavam os "carrés"), da criatividade do design envolvida, da qualidade dos materiais utilizados.

E no caso da Hermés, há o caráter artesanal levado às últimas consequências, ao ponto de metamorforseá-lo em puro luxo. Afinal, o que você diria de um lenço que demorou até seis meses para ficar pronto, que teve sua seda desenvolvida na França a partir de casulos importados do Brasil e cujo desenho pode ter custado à desenhista mais de mil horas (sim, mil horas, ou 125 dias de jornadas de oito horas) de trabalho?

Em Lyon - cidade a duas horas de trem ao sul de Paris - fica a fábrica de lenços e echarpes (dá para usar os carrés de várias maneiras) da grife francesa. Lá, um senhor alinhado, de especial simpatia e nenhuma afetação, conta, no almoço marcado depois da visita  do UOL ao prédio onde ficam os arquivos de mais de duas mil estampas já criadas desde que o primeiro "carré" foi lançado, em 1937, que a mulher dele prefere os desenhos mais tradicionais e ele, os mais complexos, que podem harmonizar cerca de 40 cores diferentes.

O artesão, responsável pela chefia de uma das etapas da confecção das peças, mostraria todas as várias etapas até chegar a um lenço pronto, incluindo detalhes como a mistura manual, como é executado o padrão de qualidade dos carrés: se apresentam defeito, os lenços são marcados pelo inspetor. Jamais cortados da série, para evitar qualquer possibilidade de extravio. Depois, os "rejeitados" são incinerados.

EXIGÊNCIA JAPONESA
Embora a maior parte do trabalho envolvido na confecção de um "carré" seja artesanal, a grife francesa não ignora as facilidades da tecnologia. O computador, por exemplo, é usado no caso dos desenhos encomendados a artistas que os criam em formato digital. Já as pinturas também são passadas para o computador, desmembradas e transpostas, aí manualmente, para folhas de plástico transparente, cada uma com todas as pequenas partes do desenho que contenham o mesmo de um dos tons de cores que serão aplicados no lenço.

A impressão, feita em grandes placas num processo semelhante ao da gravura, transformou-se na etapa mais industrial, graças a uma mesa de impressão de 150 metros, feita sob encomenda e considerada a maior do mundo. Tudo isso para agradar os japoneses, que, ao comparar os próprios lenços com os dos amigos e identificar pequenas diferenças numa mesma estampa, reclamavam por não serem todos exatamente iguais.

  • Divulgação

    Tecidos armazenados na fábrica de lenços da Hermès, em Lyon, na França

REVOLUÇÃO FRANCESA E MONDRIAN
Ao longo de seus 74 anos de existência, os lenços da Hermès representaram as mais diversas situações da cultura e da história da França. A primeira estampa fazia homenagem à inauguração de uma linha de ônibus em Paris e foi batizada de “Jeu des Omnibus et Dames Blanches”.

Já a Revolução Francesa recebeu homenagem quando fez aniversário de 200 anos. O tema dos cavalos e da montaria, essência da grife que nasceu fazendo selas de cavalos, também é muito utilizado. O viés artístico, porém, é acentuado, com estilos que vão da homenagem feita a Mondrian aos recentes lenços grafitados pelo artista de rua francês Kongo.

Há designers e artistas convidados pela marca, como foi o caso do estilista brasileiro Gustavo Lins, radicado em Paris e responsável por uma das parcerias com a marca na estampa de um "carré". Quem quiser, porém, também pode enviar um desenho como sugestão de estampa e ser selecionado. A "maison" garante que está aberta a candidatos talentosos.

Atenta à renovação de sua clientela, a Hermès lançou, no ano passado, um projeto chamado "J'aime mon carré", uma espécie de moda da rua dos lenços da marca, usados das mais diferentes maneiras por jovens garotas de várias capitais do mundo. Também no ano passado foi lançado o livro "The Hermès Scarf: History and Mystique".