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30ª Casa de Criadores termina com uma pergunta: afinal, quem vai usar estas roupas?

Looks desfilados por Rober Dognani, Jacinto e Arnaldo Ventura para o Inverno 2012 durante a Casa de Criadores (14/12/2011) - Marcelo Soubhia/AgFotosite
Looks desfilados por Rober Dognani, Jacinto e Arnaldo Ventura para o Inverno 2012 durante a Casa de Criadores (14/12/2011) Imagem: Marcelo Soubhia/AgFotosite

CAROLINA VASONE

Editora de Moda, Beleza e Casamento do UOL

15/12/2011 12h13

Principal evento de moda alternativa do país, a Casa de Criadores chegou ao fim da sua trigésima edição na noite da última quarta (14) com uma pergunta: quem vai usar estas roupas quando o inverno chegar?

A questão, recorrente na boca de quem não frequenta desfiles ou está familiarizado com o universo fashion, serve como questionamento também para quem cria e conhece moda. No último dia de desfiles do evento, na ânsia de buscar o alternativo ao que se vê nas lojas, na obrigação de sair da mesmice a todo custo, muitos dos estilistas apostaram em exercícios de modelagens exóticas, desconstruções inspiradas em escolas como a belga (Martin Margiela e Dries Van Noten)  ou a japonesa (Comme des Garçons e Yohji Yamamoto), a última, literalmente, inventora desta moda lá nos anos 1980.

Dois dos principais problemas são: usamos os mesmos tecidos de altíssima qualidade destas grifes de luxo internacionais? Temos o mesmo gosto da clientela da Europa? A resposta é não. O que isso significa? Que, embora cheia de boas intenções, a roupa não terá o mesmo caimento, nem o mesmo acabamento. Também vai falar uma língua que quase ninguém conhece, e, às vezes, pela qual poucos se interessam. E aí, mesmo entre os alternativos, essa vai ser uma moda difícil de se usar. E de se gostar.

Assim, estilistas com talento como Rober Dognani e Arnaldo Ventura acabaram perdendo a oportunidade de fazer diferença no mercado de moda da próxima estação ao apostar em grandes invenções na roupa ao invés de se concentrar em fazer a diferença nos detalhes.

Dognani, especializado em moda festa, até tinha como proposta a simplicidade. Ela foi vista em dois dos seus vestidos, de forma muito bem sucedida: um longo preto de mangas compridas, com caimento sofisticado, e um outro longo sem mangas com top de lurex de seda e saia de seda preta. No resto da coleção, porém, a vontade de trabalhar o lurex demais com drapeados e franzidos, o excesso de tecido em alguns vestidões e os exercícios de modelagem esquisitos, como o do vestido sem uma perna e o do macaquinho-vestido, comprometeram as boas ideias de Dognani. O mesmo aconteceu com Arnaldo Ventura, com sua referência japonesa apresentada ao som de performance ao vivo de tambores tocados por percussionistas orientais. Os vestidos florais, estruturados, com dobraduras, eram bonitos, mas demasiados. Alguns detalhes na coleção, porém, eram preciosos, como a construção do bolso, com friso metalizado dourado. Pode parecer pouco, mas é muito. E é também um caminho para conseguir vencer a concorrência das marcas de fast fashion, tanto as mais baratas quanto as mais caras, que copiam grosseiramente as tendências internacionais sem se preocupar com o primor do acabamento, e muito menos com a originalidade e a ousadia nos detalhes que, acreditem, transformam uma roupa ordinária em algo especial. Com estas pequenas doses de design complexo, ainda, é mais fácil seduzir o consumidor brasileiro a experimentar o novo inserido numa peça aparentemente já conhecida.

A mesma teoria se aplica aos desfiles de Jacinto e Jadson Raniere. Jacinto trabalhou bem a camurça e o couro ecológico e conseguiu um bonito resultado no vestido em camurça caramelo, com toque de alfaiataria. Mas seu melhor momento aconteceu nos vestidos tipo tubo, curtinhos, com bordados de pedraria. Já o pernambucano Raniere acerto na ousadia para os homens, e, ainda que o look da passarela seja extravagante demais para o nosso público masculino, dá para ver uma versão comercial de sucesso que ele poderia confeccionar para vender no próximo inverno. O melhor da coleção, ainda, também está nos detalhes, como a boa textura do casacão de tricô preto e grosso feminino, ou a estampa tribal digital em um tom de vinho chique, em blazeres masculinos e femininos.

  • Marcelo Soubhia/AgFotosite

    Look masculino de Jadson Ranieri e opções da Sumemo para as mulheres desfiladas por Viviane Orth (esq.) e Julia Petit, no último dia da Casa de Criadores (14/12/2011)

Sommer e os skatistas

Marca de roupas de skatistas comandada pelo também skatista Alex Poisé, a Sumemo nunca teve a intenção de impressionar pela originalidade das roupas, mas sim da atitude. Com passarela sempre recheada de amigos famosos - Julia Petit, Alex Atala e Dudu Bertholini foram alguns deles -, a grife ganhou o reforço de Marcelo Sommer, que assinou a coleção. Ficou menos óbvia dentro do próprio segmento, e trouxe brincadeiras - olha só a importância dos detalhes - como a estampa de caveira no vestido com cara de moletom comprido ou a modelagem mais ajustada do blazer e calça pretos para os homens, que devem deixar os amantes do skate compradores da Sumemo mais estilosos que seus colegas de "half".

Mais do mesmo?

Se há um problema de exagero de invenção de moda entre muitos dos estilistas veteranos (e alguns do Ponto Zero, como o concorrente Mauro Camargo, da faculdade Santa Marcelina, que fez uma bem-feita coleção, com ótimas ideias mas peças realmente inviáveis para os homens), a falta de originalidade criativa também não fará diferença no mercado de moda. Dois dos estilistas do projeto Ponto Zero - concurso de recém-formados em estilismo, em que o vencedor passa a desfilar na Casa de Criadores - sofreram deste mal.

Enquanto Isaac Lopes e Andrea Lopes (Belas Artes) ficaram presos demais à referência à marca Osklen, com estampa do calçadão carioca e modelagens tipo casulo muito parecidas com as já usadas em coleções de Oskar Metsavaht, a mineira Domitila de Paulo (Brasil Fashion Designers) levou ao pé da letra sua admiração pelo conterrâneo Ronaldo Fraga, também com estampas e modelagens de camisas que lembravam o estilo de Fraga, mas não de maneira tão literal quanto fizeram os Lopes. Domitila fez uma coleção, afinal, com qualidade de acabamento e proposta delicada e romântica. É preciso, no entanto, tomar cuidado: se a Osklen ou o Ronaldo Fraga já fazem e já têm fama por isso, por que a clientela deles compraria algo tão semelhante por um preço que não será barato, ainda que bem-feito (afinal, tudo sai mais caro para as jovens marcas, que compram quantidade menor de tecido, por isso sem desconto, também geralmente pagam mais caro pela mão-de-obra, não têm boa distribuição de suas roupas, etc).

Os vencedores do concurso, Isadora Zendron e Lucas Devitte (Anhembi-Morumbi), mesclaram conceito com vontade comercial, mas também devem pensar sobre a importância do foco em detalhes, tanto de acabamento quando de design.