Topo

Na moda, será que as tendências são coisa do passado?

Kate Lanphear, diretora da revista "Elle, posa nos bastidores da semana de moda de Nova York. "Como repórter, você sempre está de olho nas tendências", disse ela - Getty Images
Kate Lanphear, diretora da revista "Elle, posa nos bastidores da semana de moda de Nova York. "Como repórter, você sempre está de olho nas tendências", disse ela Imagem: Getty Images

Do The New York Times

17/11/2012 07h39

A diretora de estilo da revista “Elle”, Kate Lanphear, platinada e sempre envolta em couro, costuma ser sabatinada em festas e jantares com perguntas sobre a nova onda na moda. “O que mais me perguntam”, ela disse, “é qual vai ser a cor da próxima estação”. As consultas irritam. “Se eu ouvir isso mais uma vez…” Ela parou, exalando tempestuosamente.

Identificar caminhos para as cores, formas e humores e interpretá-los para as câmeras estão, claro, no universo de Kate, e são um meio de posicionar os looks mais desejados da estação em algum tipo de contexto edificante. “Como repórter”, ela disse, “você sempre está de olho nas tendências”. Mas e como consumidora? Nem tanto.

Kate faz parte de um círculo influente de formadores de opinião – comerciantes, estilistas, fotógrafos e blogueiros – que pode riscar novos caminhos para a moda como se fossem itens em uma lista de compras de luxo. Neon, dirão em coro, está tendo seu momento; padronagens pop; a calça de terno reina; leggings de couro são o desejo instantâneo da temporada. Ah, e falando em couro, o preto é (o que mais?) o novo preto.

Em termos de observações está tudo bem com elas. Mas nem sempre isso é o suficiente, como o pessoal do meio pode confirmar. “As tendências não são mais como costumavam ser”, disse Garance Doré, blogueira e fotógrafa de moda das ruas. Até algum momento nos anos 1970, destacou ela, a moda costumava seguir uma única e clara direção, transmitida aos fiéis com a autoridade de um “Moisés na montanha”.

Robert Burke, consultor para marcas de luxo e ex-diretor do Bergdorf Goodman, complementa o argumento. “Na década passada, nós nos encontrávamos no [hotel] Ritz, em Paris, para criar histórias de tendências, que seriam então traduzidas nas vitrines e em propagandas. Cerca de 40 ou 50 de nós detínhamos a chave daquela informação secreta”, disse.

  • Getty Images

    A blogueira Garance Doré e o consultor de mercado de luxo Robert Burke. "As tendências não são mais como costumavam ser", disse Garance

Agora, qualquer um com paixão por estilo e acesso à televisão ou um computador pode tirar suas conclusões. “A história das tendências já era”, afirmou Burke. As tendências persistem, claro, ainda inspecionadas por comerciantes de massa, fabricantes e muitos consumidores, que as usam como bússola, um meio de navegar por um mar de mensagens quase sempre conflitantes. Mas, assim como o ímpeto em comprar, os relatórios de tendências estão em baixa nas prioridades dos consumidores. Os compradores alimentam sua inteligência de moda com uma profusão de fontes, entre elas as passarelas, a internet e as ruas, aparentemente anárquicas.  

Como, então, resolver a equação? É uma questão de instinto, diriam os frequentadores assíduos das primeiras filas, e de gosto pessoal. Como Garance coloca: “a gente veste o que a gente gosta”. Dito isso, ela e seus pares sensíveis às nuances recorrem a um punhado de estilistas cujos lançamentos idiossincráticos, porém confiáveis e identificáveis, determinam o curso da moda. “Os estilistas, junto com um conjunto de marcas inovadoras, perceberam o valor da consistência e da continuidade”, disse Burke. “E de ter voz própria”.

Quais dessas vozes falam com persuasão para as mulheres de hoje? Livres-pensadores como Phoebe Philo, da Celine, o brasileiro Francisco Costa, da Calvin Klein, e Nicolas Ghesquiere, da Balenciaga, com seus casacos amplos e suavemente arredondados, estão ganhando novos terrenos, assim como David Neville e Marcus Wainwright, da Rag & Bone, e Alexander Wang, que exaltou o estilo urbano e o espírito livre das sobreposições e o transformou em arte disciplinada. Riccardo Tisci, da Givenchy, também está atraindo elogios este ano com suas insígnias e cores góticas, levando a moda para um caminho romântico e “dark”. E isso é só para começar.

“A gente compra o que a gente gosta e o que vamos conseguir vender”, disse Roma Cohen, proprietário da Alchemist, de Miami Beach. Cohen apostou suas fichas em looks de designers que sejam identificáveis para os ricos de Miami, que são seus clientes, e para os visitantes urbanos (nova-iorquinos, italianos, brasileiros) que invadem suas duas lojas na alta temporada.

  • The New York Times

    Modelos mostram looks de Tory Burch, Kenzo e Miu Miu (esq. para dir.) nas passarelas para o Inverno 2012/13

As peças de outono mais desejadas, ele previu, vão incluir os vestidos de Joseph Altuzarra, inspirados nos nômades e separados em estampas de tapetes marroquinos, seu exotismo contrastando com jaquetas e casacos militares; os jérseis de corte em viés e os tweeds de Rick Owen, e as elaborações feitas em camurça, sua marca registrada; e as roupas de Tisci, cujo estilo é muito próprio, disse Cohen, “a ponto de as pessoas olharem uma peça sua e automaticamente interpretá-la como Givenchy”.

Um look característico de um estilista favorito é um ímã para seus clientes. “Eles não procuram tendências”, afirmou o empresário. “Não é com isso que se preocupam. Se eles veem algo que todos estão fazendo, vão procurar outra coisa”. Ele olha para Erika Cohen, sua esposa e parceira, como um termômetro, observando que sua lista pessoal de desejos inclui um par de botas de couro pretas com fecho em forma de dente de tubarão de Tisci, assim como sua variação com estampa de crocodilo, com uma franja na parte de trás. A elas, Cohen acrescentou um casaco de pele modelo “peplum” de Gareth Pugh, uma blusa Celine e leggings de couro vermelhas Givenchy.  “Peço todo dia para o staff verificar se a nossa encomenda já chegou”, ela disse. “Estas serão minhas peças número um para o outono, e vão ficar no meu guarda-roupas por anos”. 

A longevidade conta para Marie Chaix, uma jovem editora que estampou sua marca na “Vogue” francesa e, mais recentemente, como estilista para Proenza Schouler. Ela tende às peças que “expressam um estilo, em vez de estar na moda”, contou ela. “E é o que toda marca está buscando, mas o mais difícil de se conseguir”.

Para o outono, ela está de olho em uma blusa semi-transparente de organza branca e uma saia preta de couro Valentino, e pelo menos um dos vestidos da coleção do estilista. “Junto com um casaco Celine”, disse Chaix, “nesta estação você quer um vestido Valentino”. Ela também é parcial quanto a uma jaqueta de couro preta e às calças Balenciaga. Um look, ela disse, que empurra os limites da moda sem sacrificar a qualidade ou sua confecção. E ela já pediu uma jaqueta Proenza Schouler, de couro preto com detalhes dourados.

  • The New York Times

    Modelo apresenta criações da Celine durante o desfile Inverno 2012/13 da marca em Paris. Cada vez mais, relatórios sobre tendências perdem importância para os consumidores, que buscar outras fontes de informação, como as passarelas, a internet e as ruas

Kate Lanphear também é atraída por peles, sua marca registrada de longa data. “Tenho uma resposta muito visceral a certas coisas”, disse ela, que este ano se estende aos couros Tisci, em uma coleção que, segundo ela, “carrega um sentido real de romantismo com nuances de contos de fadas”. O vermelho profundo de um corpete rendado a remete a Branca de Neve. “Ele cria uma silhueta muito forte com jodhpurs de couro”.  Ela acrescentou que, com seu espírito de moleque, “calças de alfaiataria são coisas que realmente atraem”.

Assim como a Garance, cujo entusiasmo para combinar jaquetas e calças em coleções como Louis Vuitton, Miu Miu e Stella McCartney é igualado apenas pelo seu gosto por peplums, especialmente os Lanvin. “Eu já tenho talvez dois casacos peplum no meu guarda-roupa”, disse. “Acho que não vão sair de moda”.

Na maioria de conversas do gênero, grandes temas surgem. Nas passarelas, a Grã-Bretanha domina, pelo menos em algum grau. “Londres está vivendo seu momento”, disse Ken Downing, diretor de moda da Neiman Marcus, notando em particular a paixão da moda pelo estilo eduardiano da série “Downtown Abbey”.  Com o jubileu da rainha ainda fresco em suas lembranças, ele acrescentou, os designers estão muito inspirados pelas armadilhas da nobreza: pele, brocados luxuosos, chinelos para a noite e o emblema da realeza, as joias da coroa. “Talvez seja por isso que estamos vendo tantos broches”, sugeriu.

Isso sem falar nos looks equestres que estão em alta para Holli Rogers, a diretora de moda do site de compras Net-a-Porter. Um item favorito, ela diz, é uma jaqueta country adaptada, da Stella McCartney, com quadris largos e gola esporte. E um casaco de corte amplo Kenzo, com mangas amarelas e em tricô formando uma padronagem de waffles.

As formas reduzidas e bem educadas persistem, filtradas nas coleções mais rarefeitas, assim como um grande número de linhas inovadoras a preços acessíveis. Tão relativamente fáceis de encaixar no orçamento quanto são agradáveis aos olhos estão uma blusa peplum verde água Elie Tahari; um vestido acinturado Milly e um moderno vestido seco com mangas em couro DKNY.

O rigor é contraposto por uma certa opulência leviana, tão evidente nos brocados florais Nanette Lepore ou na padronagem barroca Just Cavali quanto numa sucessão de looks encrustados com jóias Lanvin.

Em um momento definido por correntes tão paradoxais, “a verdadeira luta”, disse Kate, “está em saber qual lado vai vencer”.