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Crochê para o bem: coletivo ensina técnica e ajuda pacientes com câncer

Natália Eiras

Do UOL, em São Paulo

08/03/2016 13h58

O crochê pode ser visto como "coisa de vovó", mas também serve como uma terapia para pacientes com câncer do hospital especializado na saúde da mulher, o Pérola Byington, no centro de São Paulo (SP). A cada quinze dias, integrantes do coletivo 1000 fios a 1000, liderados pela voluntária Patricia Upton, 55, acampam com suas agulhas e linhas na sala de espera do centro médico para ensinar a técnica e prover momentos terapêuticos para pessoas em tratamento e acompanhantes.

A iniciativa nasceu há cerca de um ano, quando o coletivo quis levar os encontros de crochetagem em grupo, feitos em parques e cafés, para dentro do hospital, onde as voluntárias ensinam as pessoas a darem seus primeiros pontos, que se transformam em gorros doados para as mulheres em tratamento. "Elas [as pacientes] ficam felizes de aprender, porque é algo que acrescenta", explica Patricia ao UOL.

A dona de casa Gildilene Nair Vieira, 43, foi uma destas curiosas que foi mordida pelo bichinho do crochê por causa do coletivo 1000 fios a 1000. Diagnosticada com câncer de mama em 2012, ela pegou gosto pelas agulhas mesmo tendo que aprender a manuseá-las de forma invertida, por ser canhota. “Eu via tudo ao contrário, mas consegui passar por isso”, ri a ex-paciente, que considera "uma vitória" o fato de ter conseguido dominar a arte. Voluntária desde 2013, hoje em dia ela é professora de outras mulheres. "É uma terapia muito boa, mesmo para quem não esteja muito interessada".

"Ajuda os outros e ajuda a gente"
Assim como Gildilene, a psicanalista e voluntária do projeto Mocinha de Macedo Soares, 65, considera a atividade manual um "momento de meditação". "[A pessoa] está ali prestando atenção no que está fazendo e acaba passando mais tempo consigo. E o resultado disso é uma coisa prática, útil. Você para o mundo e, no fim, tem um produto palpável", fala.

Sobrevivente do câncer de mama e, atualmente, acompanhante da filha, que também foi diagnosticada com a doença, Anézia Alves, 72, fez, no dia da visita da reportagem ao hospital, a primeira corrente de crochê de sua vida. A senhora de idade nunca havia tricotado ou crochetado. "Nada é difícil quando a gente tem boa vontade", comenta, enquanto fazia os pontos com as mãos tremendo e os olhos apertados. O hábito é, segundo ela, importante tanto para quem faz quanto para quem vai receber o gorro. "Porque em casa tem muita coisa que não podemos fazer, então distrai a cabeça e faz a gente não pensar na doença", afirma.

Os gorros crochetados nos encontros e em casa por voluntários são expostos em cima de uma toalha, no chão da sala de visita. Inicialmente, o grupo também faria mantas e sapatinhos --"as pacientes sentem muito frio dentro da sala de quimioterapia", diz Patricia--, mas os integrantes não dariam conta de produzir o número suficiente para todas as pacientes. "Aí nos focamos nos gorros, que ajuda a mulher a se sentir mais bonita", narra a idealizadora. 

Pouco tempo depois das peças serem expostas, pacientes chegam mais perto, animadas para escolher um acessório para chamar de seu. "Sabe quando você vai comprar uma roupa nova e tem aquele prazer de se imaginar usando aquela peça? É isto que a gente consegue passar e é um momento muito gratificante", observa Mocinha com os olhos cheios de lágrima. É ela quem ensina as mulheres as diversas  maneiras de usar o gorro e os tipos que estão disponíveis. "Ela pode usar um mais apertadinho na cabeça ou um com abinha, com um ar mais brejeiro", ri. 

Os chapéus seriam, ainda, uma espécie de carinho materializado em crochê para pessoas que estão em um momento muito frágil. "Mais do que algo necessário, é algo que foi feito por um desconhecido para você. É alguém te dando um presente", completa a voluntária.