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Roqueira, Cavalera aposta no universo sertanejo: "traímos o movimento"

Natália Eiras

Do UOL, em São Paulo

15/08/2016 12h02

Nos anos 90, Alberto Hiar, diretor criativo da Cavalera, era conhecido por ser figura fácil em shows de bandas como Ratos de Porão e Sepultura. O amor pelo rock, claro, acabou norteando as coleções da marca brasileira criada por ele junto a Igor Cavalera em 1995 (o ex-baterista do Sepultura deixou a sociedade há dez anos). Então, tal qual foi a surpresa quando Hiar anunciou que as roupas do Verão 2017 teriam inspiração em um universo tão distante do originário: o sertanejo. "Sou um traidor do movimento", brincou o empresário em entrevista ao UOL.

Para mostrar a coleção “Nossa Moda de Viola”, cujas peças traduzem elementos da estética caipira sem perder os ares rebeldes da Cavalera, Alberto fez um misto de versão atualizada do programa “Amigos”, que reunia, nos anos 90, as principais duplas sertanejas, e Victoria’s Secret Fashion Show, que combina performances musicais com desfile de lingerie. "Nunca vamos deixar de ter o rock em nosso DNA, mas somos uma marca brasileira, então preciso retratar a pluralidade da nossa cultura", falou o estilista no backstage. "E, para mim, essa coisa do sincretismo também é muito importante, porque existe o preconceito, mas quando toca a música [sertaneja] a gente vê todo mundo cantando".

Para isso, Alberto Hiar convidou desde "dinossauros" da música caipira, como Milionário, Marciano e o Trio Parada Dura, até ídolos do sertanejo universitário, como a dupla Thaeme e Thiago e Fernando, de Fernando e Sorocaba, para desfilar e cantar um repertório que incluiu "Romaria" e "Evidências" na última terça-feira (9), em São Paulo (SP). "Independentemente de gostar ou não de alguns cantores, a gente procurou trazer e ouvir todos eles", explicou Alberto. "Eu não conhecia este universo, mas eles são muito unidos. Vejo um respeito que eles têm pelos mais velhos que muitas vezes não encontro no rock."

De acordo com o diretor criativo, a ideia de fazer uma coleção inspirada neste gênero musical surgiu enquanto assistia a um filme em um voo. "Tinha um personagem que era um caubói, mas eu tinha certeza que ele era roqueiro. Foi quando percebi que tinha este movimento do 'new caipira'", afirmou. "Quando fizemos a nossa pesquisa, a gente foi atrás de referências em relação a texturas, estampas, características que poderíamos colocar ou não dentro da nossa coleção. Observamos que existe um novo sertanejo, o sertanejo rock. Por exemplo, o Fernando, do Fernando e Sorocaba, poderia estar tocando numa banda de rock com muita facilidade".

Alberto não nega que a coleção seja uma forma de se aproximar do vasto público deste gênero musical que dominou o mercado de entretenimento. "Somos uma marca democrática. Não vamos deixar de vender para as prostitutas, lésbicas, travestis, 'vermelhos' ou 'azuis', desde que eles tenham cartão de crédito". Mas o que o Alberto roqueiro dos anos 90 acharia de tudo isso? "Estou pouco me lixando. Houve uma evolução do Alberto daquela época para cá. Ele errou por não abrir os olhos para as coisas diferentes. Podia continuar gostando de Ratos de Porão e Sepultura, mas não precisava tomar as atitudes preconceituosas que tomei em relação a outras músicas que poderia ter aprendido a ouvir. Talvez não a gostar e nem a seguir, mas pelo menos a respeitar".