Para chefe do Inmet, "vulnerabilidade" potencializa estragos de chuvas

Fabrícia Peixoto

Da BBC Brasil em Brasília

06/01/2010 13h35

Os recentes desastres observados na região Sudeste são resultado não apenas de chuvas acima da média, mas principalmente de terrenos "cada vez mais vulneráveis", na avaliação de Luiz Cavalcanti, chefe do Centro de Análise e Previsão do Tempo do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). "O problema é que as pessoas vão construindo de forma desordenada e chega a um ponto em que há uma saturação do terreno", diz Cavalcanti, em entrevista à BBC Brasil.

  • Gabriel Lopes/AFP

    Área afetada pelas chuvas no Morro da Carioca, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro


Segundo ele, esse é um processo "que vem se acumulando ao longo dos anos". "Não foi essa última chuva que definiu isso", acrescenta. Ainda de acordo com o meteorologista, o Inmet tem um índice de acerto acima de 80%, mas o trabalho do instituto é "apenas a previsão". "O objetivo da informação é que ela seja recebida por um receptor que possa fazer bom uso dela", diz Cavalcanti. Segundo ele, o Inmet emitiu três alertas especiais sobre chuvas fortes na região de Angra dos Reis, dois dias antes dos desastres.

 

Leia abaixo a entrevista com o meteorologista.

BBC Brasil - A cada desastre, a impressão que se tem é de que as chuvas vêm aumentando. Tem realmente chovido mais nas últimas semanas?

Luiz Cavalcanti -
Depende da comparação. Se você fizer uma comparação com valores médios históricos, a resposta é sim, choveu mais do que a média histórica. Mas em termos absolutos, posso afirmar que está chovendo tanto quanto em 2008, por exemplo.

BBC Brasil - Se o volume atual é o mesmo de 2008, por que estamos diante de tantos desastres?

Cavalcanti - Aí a gente precisa usar um termo que as pessoas dificilmente observam: vulnerabilidade. Ou seja, algumas áreas vão ficando mais vulneráveis ao longo do tempo. O ano passado também foi muito chuvoso, com muitos desastres. Esse ano tivemos, talvez, mais mortes, o que chama mais atenção. No caso específico de Angra dos Reis, no Morro da Carioca, não era para ter aquelas casas ali. Mas as pessoas vão construindo de forma desordenada e chega a um ponto em que há uma saturação do terreno, que vem se acumulando ao longo dos anos. Não foi essa última chuva que definiu isso.

BBC Brasil - Vocês previram essa chuva em Angra?

Cavalcanti -
Sim, inclusive desde o dia 29 vínhamos emitindo alertas especiais sobre chuva excessiva no litoral Sul Fluminese. Emitimos três desses avisos alertando a Defesa Civil. Não dissemos que seria em Angra dos Reis, na rua tal, porque isso não existe. As previsões são feitas por microrregiões. Esses avisos vão primeiro para a Defesa Civil nos Estados e também para a nacional e depois publicados em nosso site. Nesse momento, por exemplo, temos um alerta especial sobre chuvas excessivas amanhã, naquela região.

BBC Brasil - Mas não é uma área muito abrangente a ponto de permitir que a Defesa Civil saiba onde atuar, de forma preventiva?

Cavalcanti - Lembre-se que a Defesa Civil está em cada município. Qualquer cidade da parte Sul do Estado do Rio de Janeiro que recebe esse aviso, o que eles têm que fazer? Cada um cuida do seu, né. O objetivo da informação é de que ela seja recebida por um receptor que possa fazer bom uso dela. Não estou dizendo que cabe à Defesa Civil resolver todos os problemas de chuva. Na medida do possível, ela retira famílias, dá socorro. Ela não vai resolver os problemas da chuva.

BBC Brasil - Até que ponto a previsão meteorólogica tem ajudado no trabalho de prevenção de desastres?

Cavalcanti -
Só tem ajudado, é o papel dela.

BBC Brasil - Mas efetivamente, isso tem acontecido?

Cavalcanti -
Aí você está entrando no lado político. Na década de 80, havia muito mais inundações em São Paulo do que hoje. E a gente já falava em medidas preventivas. Resolveu? Não. Mas se você analisar o que aconteceu nos últimos 20 anos, que amenizaram a situação. Não é a situação ideal, mas se não fossem as medidas, teríamos talvez uma cidade inteira alagada, e não apenas alguns pontos. O trabalho da meteorologia é fazer a previsão, mas se tem um escoamento ineficiente, até uma chuva não muito forte vai provocar uma inundação. Agora, se você faz um escoamento decente, pode vir chuva à vontade.

BBC Brasil - Mas não estamos falando mais apenas em alagamentos em enchentes. Os desastres têm sido mais significativos do que isso...

Cavalcanti -
É uma relação direta entre chuva forte e vulnerabilidade, como eu já disse. Há locais saturados, que vão sofrer situações mais delicadas. Claro que existe um momento em que a chuva é tão intensa que ultrapassa as condições que supostamente aceitavam aquela situação. A questão da Ilha Grande, por exemplo, me parece específica. As imagens não mostram uma ocupação desordenada, como no caso do Morro da Carioca, no Centro de Angra, era para ter escoamento, e não casas.

BBC Brasil - As pessoas costumam questionar o índice de acerto da meterologia. Qual o índice de vocês?

Cavalcanti -
As pessoas que questionam isso estão pensando na meteorologia da década de 60, que não tinha satélites, radares, computadores etc. Hoje a gente tem satélites nos enviando imagens a cada 15 minutos. Tem um radar que manda informações para a gente a cada 5 minutos. Você tem uma previsão de tempo feita através de calculos matemáticos, que é mais precisa. O Inmet tem índices de acertos superiores a 80%.

BBC Brasil - Por que, então, tem-se a sensação de que o índice é menor?

Cavalcanti -
Porque as pessoas se apegam aos erros. Podemos acertar a previsão para 29 dias em um mês, mas se erramos um, este é o que chama a atenção.

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