Voltar para casa é uma nova migração, diz psicóloga

Júlia Dias Carneiro
Da BBC Brasil no Rio de Janeiro

19/11/2010 17h38

Mudar de um país para o outro pode envolver choques culturais e um longo processo de adaptação. E fazer o trajeto de volta, ao contrário do que muitos podem imaginar, nem sempre é fácil talvez justamente por não se contar com tantas dificuldades.

"Quando as pessoas retornam, passam por um novo ajuste, uma nova migração", diz a psicóloga social Sylvia Dantas, coordenadora do Núcleo de Estudos de Orientação Intercultural da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

"O problema é que não estão a par disso", acrescenta. "Acham que estão voltando para o ambiente familiar conhecido, mas elas mudaram, e o ambiente que deixaram também mudou."

"Quando se volta de um período fora, os outros não sabem e não entendem o que você viveu, e isso gera uma dissonância", diz a psicóloga, que está escrevendo um livro sobre as dificuldades vividas por migrantes nos processos de ir, estar e voltar.

"Todo mundo passa por isso, e vai depender de uma série de fatores para que seja mais ou menos estressante", avalia a psicóloga. "Mas sempre é estressante."

Readaptação
Perceber que o retorno é uma nova mudança, aponta Sylvia, é uma das chaves para que a volta seja menos estressante.
O conselho pode valer para os muitos brasileiros que estão voltando para o país por causa da crise econômica. A tendência pode ser observada nos segmentos da economia mais afetados.

O advogado Eugênio Carlos Deliberato Júnior, por exemplo, conta que viu seu círculo de conhecidos em Nova York, a maioria de advogados e do mercado financeiro, se reduzir drasticamente depois da quebra do banco de investimentos Lehman Brothers.

"A partir do início de 2009, vi muita gente voltando. Em pouco tempo, umas 15 pessoas vieram, mesmo gente que já estava lá havia dez anos trabalhando em banco", conta Deliberato, que tem 33 anos e fez o mesmo caminho em abril, depois de passar cinco anos e meio nos Estados Unidos.

"Se havia um momento para fazer a transição, era agora, com a economia brasileira aquecida", diz. De volta a São Paulo, o advogado se deu três meses para a readaptação e, depois, foi contratado pelo escritório Demarest & Almeida, que o transferiu para o Rio de Janeiro.

Conseguir se reinserir de maneira satisfatória no mercado de trabalho é um grande passo no processo de readaptação, diz Sylvia Dantas. "Quando se enfrenta uma situação financeira difícil ou uma situação complicada na família, o sentimento de inserção é mais difícil", avalia a psicóloga.

Oportunidades
Assim como Deliberato, as boas oportunidades econômicas levaram a administradora Rosely Fontes Grisotto a ficar mais tempo do que o planejado em Nova York, mas a crise econômica precipitou sua volta.

Em 2003, ela foi para Nova York acompanhando o marido, biólogo, em seu pós-doutorado. Para dar conta dos altos custos de vida, transformou um quarto de seu apartamento em uma pequena clínica de estética e chegou a ganhar US$ 12 mil por mês fazendo depilação, unhas e drenagem linfática.

"Durante cinco anos, foi muito bom financeiramente morar em Nova York", diz Rosely, de 39 anos. "Inicialmente, íamos ficar dois anos, mas como o meu negócio estava indo muito bem decidimos ficar mais."

"Com a crise financeira, perdi metade de minhas clientes, porque a maioria era brasileira, trabalhava no mercado financeiro ou tinha maridos no setor", conta a brasileira. "Acabou ficando inviável continuar em Nova York."

Depois de anos vivendo em torno do trabalho em Nova York, Rosely quis se mudar com os dois filhos, de 2 e 5 anos, para um ambiente mais calmo e caloroso. A família se instalou em São Luís do Maranhão, onde ela agora trabalha na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado.

Choque cultural
De acordo com Sylvia, a falta do calor humano é queixa comum entre as pessoas que deixam o país. No entanto, ao retornar, os brasileiros podem passar por um novo choque cultural, que surpreende sobretudo pessoas que chegam de países desenvolvidos. Ainda que inconscientemente, elas se identificam com determinados jeitos de ser que passaram a assimilar.

"No Brasil, comparativamente, temos uma grande desorganização, serviços públicos e privados morosos, uma burocracia muito grande e uma pobreza gritante", aponta. "As facilidades que se tem lá fora tornam a vida aqui muito difícil."

Muitos entram em depressão porque, se durante um longo tempo idealizaram a volta e acalentaram as saudades de casa, ao chegar sentem "que não pertencem a lugar nenhum".

Sylvia diz que o processo de adaptação não é imediato e que cada um tem seu ritmo. Mas continuar sentindo-se um pouco estrangeiro depois é bom.

"Se você pensar que ter um olhar de estrangeiro é poder questionar o que se coloca como natural, isso é maravilhoso", afirma a psicóloga. "Esse olhar estrangeiro é uma possibilidade de ampliação."

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