Ivan Lessa: A lógica de ser ser pai ou mãe em tempos modernos

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A quantidade de tarefas que um filho exige é de assustar Imagem: Thinkstock

10/08/2011 11h44

Qualquer pessoa que não tenha filhos e que já tenha observado de perto pais modernos, liberais e preocupados pode se deparar com uma experiência aterrorizante.

O cuidado e a atenção dispensados em detalhes da vida cotidiana da criança é assustador. Decidir o que ela comerá no jantar pode levar horas de uma cuidadosa negociação.

Todas as questões feitas pela criança são respondidas com uma atenção infinita – quanto tempo se demora para atravessar a Terra, de um extremo ao outro? De onde vem o vento? O que tem dentro de um átomo?

Os historiadores nos explicam que em boa parte da história da humanidade, tais questões mal seriam consideradas. Havia uma grande chance de seu pequeno inquisidor estar morto antes da vida adulta, você poderia ter cinco ou seis criaturas do mesmo tamanho para colocar na cama todas as noites e, por isso, parecia lógico não investir muita energia nem emoção em fornecer respostas.

A infância era vista como uma fase fantasiosa essencialmente desconectada de qualquer determinante na vida adulta.
Esconde-esconde
Mas agora vivemos em uma sociedade e uma era em que predomina a máxima de que o sucesso ou o fracasso de um adulto está diretamente ligado à qualidade do tratamento que ele recebeu durante a infância.

Por trás das atividades familiares, das brincadeiras de esconde-esconde e dos passeios ao zoológico, as personalidades estão sendo construídas e é a partir disso que toda a força e criatividade dependerão para florescer. Lições emocionais que não são aprendidas de verdade na primeira infância nunca serão fixadas – não sem caras e demoradas sessões de terapia.

As redes de TV estão cheias de pessoas que, aos prantos, evocam memórias de negligência ou falta de compreensão por parte de seus pais. Exemplos para nos lembrar que a maternidade ou a paternidade são tarefas em que não se pode errar. Um trabalho em que se precisa comparecer diariamente – nos momentos mais inocentes, nas tarefas escolares, nas brincadeiras com Lego – para assim preparar uma estrutura não menos sensível e poderosa do que a de um arranha-céu.

A impressão é a de que os que nos trouxeram ao mundo têm de apoiar e admirar suas crias sistematicamente.
Caso contrário, décadas depois, quando alguém nos dizer ‘eu te amo’, não teremos a capacidade de acreditar nisso e vamos puni-los por demonstrar uma fé em nós que nós mesmos não temos.

Carência
Caso contrário, vamos ser carentes de aprovação dos outros e nunca seremos capazes de fazer escolhas ousadas, por causa da nossa incapacidade de tolerar um momento em que ninguém está nos aplaudindo. Vamos ficar ansiosos por não ter sido amados de verdade há 30 ou 40 anos.

Isso pode parecer uma explicação absurda para o nosso desenvolvimento, mas sua base não é totalmente infundada. Porque afinal somos criaturas que desmaiam ou morrem por causa de um coágulo no sangue de meio milímetro de diâmetro.

A filosofia moderna sobre a infância torna tudo significativo. O Joãozinho não está apenas sendo irritante quando ele empilha as almofadas no chão e diz ser uma marinheiro de um navio naufragado que pede ajuda para se salvar dos tubarões.

Ele está explorando idéias contrastantes de desemparo e resiliência, que anos depois vão o ajudar a superar uma rejeição amorosa ou a aproveitar oportunidades profissionais.

Pode parecer fraqueza ou excesso de paparico. Pode parecer decadente.
Para quem está de fora, especialmente se for de outra geração, pode ser nauseantes observar todo esse zelo, essa paciência para perguntas, a urgência de se cuidar de cada machucadinho, o jeito de tratar crianças como se suas opiniões realmente importassem.

Lógica
Mas apesar de tudo isso parecer fraqueza, há uma lógica pragmática em curso.
Assim como pais de todas as épocas e lugares, os pais de hoje querem a sobrevivência de seus filhos. A diferença é que eles agora operam com ideias bem diferentes sobre o significado de sobrevivência.

Hoje não é mais possível se desenvolver apenas aprendendo como ser obediente e praticando antigas práticas de submissão e deferências. O que conta na nova economia são qualidades como confiança, criatividade e originalidade.

Esses são os equivalentes de hoje aos músculos na antiga Esparta ou às maneiras estóicas na Prússia de Frederico o Grande.

Não há falta de inteligência genuína. O que se precisa adicionar acima disso é uma mente que possa fazer conexão entre idéias, que consiga persuadir outros a comprar sua opinião, que seja capaz de lidar com grandes aspirações e plasticidade psicológica para lidar com a rejeição – e esse é o porquê de tanta paciência ser dispensada a desenhos de borboletas feito por crianças, de tanta atenção com o menu do jantar, de tanto respeito com as opiniões dos pequenos.

Mundo problemático
Essas preocupações podem parecer maneiras de tentar conter um pânico imensurável em relação à audácia de se ter colocado uma criança nesse mundo problemático.

Contando que as crianças estejam na cama às 19h15, aprendam a amarrar o cadarço e sempre digam “obrigado”, a esperança oculta é a de que nós possamos miraculosamente evitar ter de provar um gole da xícara do arrependimento humano.

A natureza desproporcional das preocupações de pais modernos surgem no início de cada dia letivo, quando 20 ou 30 adultos se reúnem em uma sala de aula para adeus a suas preciosas proles.

Para quem está de fora é evidente que a vida por si só não vai fazer jus às esperanças depositadas nos ombros dessas crianças – não vai evitar divórcios, câncer de próstata, vícios, depressões mesmo se eles ganharem estrelas douradas.

As crianças podem até dominar a álgebra, desenhar amebas, escrever belas histórias sobre as férias e memorizar as capitais do mundo, de Wellington a La Paz. Ainda assim, nada pode ser feito para proteger-las dessa série de problemas.

Nem mesmo estudar mandarim nos fins de semana, praticar violino ou jogar xadrez vai resolver. Tanto pode dar certo como podemos nos amparar nas falhas causadas por nosso temperamento e pelo ambiente que nos rodeia, um pensamento desordenado que tanto o sistema educacional quanto os pais tentam manter sob controle.

Isso, no entanto, não é argumento para desistir. Parece que não podemos, de forma espontânea, nos sentir importante o suficiente para nós mesmos, importante o suficiente para levar nossa figura absurda pelos labirintos da vida, a não ser que em algum momento nós tivermos sido privilegiados o suficiente para desenvolver um senso de importância ilimitado e extremo em relação a outra pessoa.

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