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Dermatologistas analisam mecanismo de ação da nova safra de cremes faciais

ISABELA LEAL

Colaboração para o UOL

29/06/2010 07h00

Nos últimos meses a indústria cosmética se superou e surpreendeu os consumidores sedentos por amenizar rugas faciais, manchas, ressecamento e flacidez. Um verdadeiro festival de substâncias em potes invadiu as prateleiras com a promessa de frear o tempo, clarear a pele, hidratar e tonificar – efeitos já conhecidos, é verdade. O que muda atualmente, entretanto, é o caminho para se chegar lá, a margem de segurança para preservar moléculas ativas íntegras e a origem dos princípios ativos, que se apresentam mais sofisticados e com benefícios minimamente específicos no tecido cutâneo.

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    Nova safra de cremes e séruns faciais promentem reverter o envelhecimento cutâneo

 A julgar pelo consumo, o Brasil parece afinado com esse avanço da tecnologia. De acordo com o Euromonitor - instituto internacional que audita o mercado de higiene pessoal em mais de 120 países – nós somos o sexto país que mais utiliza cosméticos faciais no mundo. Não é para menos, o mercado está superaquecido. As novas fórmulas estão longe de serem modestas nas suas promessas, que vão desde destruir acúmulo de pigmentos para amenizar manchas até atuar no DNA da célula, ativar células-tronco e estimular genes da longevidade. E tem mais: uma das novas tecnologias promete melhorar a estrutura da pele com o mesmo princípio de cura dos ferimentos graves, onde o tecido cutâneo é restituído com base na formação de novo colágeno. Uma outra marca garante um rosto firme e denso, mesmo depois da menopausa, quando os hormônios despencam e a pele sofre drasticamente com a flacidez e falta de elasticidade. E não é só. No arsenal de novidades, mais de um fabricante promete evitar o processo de glicação – uma espécie de cristalização das células de sustentação da pele (que ocorre por conta da glicose que circula no sangue) localizadas entre as fibras de colágeno, que impedem que elas exerçam a função de dar firmeza e elasticidade à cútis.

 

Ainda é cedo para afirmar

Como vimos, repertório não falta. Só nos resta saber se funcionam realmente, mas isso só o tempo vai dizer, pois os mecanismos de ação e os benefícios prometidos são tão novos, mas tão novos, que nem os especialistas se sentem aptos para dar uma opinião concreta. “A maioria dos estudos desenvolvidos para se chegar a esses resultados são realizados em in vitro, ou seja, em laboratórios e não em humanos. E as pesquisas em pessoas só avaliam a opinião dos usuários sobre os produtos, não sua eficácia real”, diz a dermatologista Roberta Vasconcelos, pesquisadora do ambulatório de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. “Apesar de muitas vezes os benefícios serem comprovados, em alguns casos não se justificam com um nível de evidência científica suficiente. Isso só é possível com acompanhamento em longo prazo e observação na prática”, complementa a dermatologista Aline Vieira, professora do Ambulatório de Cosmiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

 

Questão de genética

Um dos pontos mais polêmicos, levantado pelas dermatologistas consultadas por UOL Estilo, sobre essa nova safra de cremes tecnológicos, foram os mecanismos que agem no DNA das células, estimulam genes e atuam nas células-tronco. As médicas afirmaram que se trata de uma ação muito delicada, portanto impossível de ser analisada com precisão, pelo menos por enquanto. “É importante ressaltar que a análise do material genético, nem sempre conta a história toda. Cada um de nós é um mosaico, com uma contribuição genética paterna e materna, ou seja, com uma diversidade enorme de genes. Portanto, como que o que é bom para um pode ser para outro, nesse caso?”, questiona a dermatologista Aline Vieira. Para a pesquisadora da USP, Roberta Vasconcelos, essa proposta também parece nebulosa ainda. “Esses novos cosméticos prometem trazer os avanços tecnológicos de outras áreas do conhecimento para os cremes antiidade, no entanto ainda há necessidade de pesquisas mais conclusivas sobre a real eficácia dos produtos. A maioria não deixa claro quais ingredientes ativos são utilizados nem o resultado de pesquisas na pele de pessoas reais”, polemiza. “É imprescindível uma comprovação clínica para se chegar a alguma conclusão. Acredito até que seja possível permear a membrana celular, mas atuar no DNA da célula ou mudar o gene, não creio”, diz Mônica Aribi, membro da Academia Americana de Dermatologia.

 

 

A prática é diferente da teoria

O que traz a dúvida até mesmo para os dermatologistas é que os resultados de eficácia de laboratório podem não se reproduzirem na pele humana. “A experiência do dia-a-dia é que vai revelar os verdadeiros benefícios ou falhas do produto. Um bom exemplo é o DMAE (Dimetilaminoetanol), que in vitro se mostrou eficaz em devolver o tônus e a firmeza dos músculos submetidos ao processo de envelhecimento. Mas hoje, depois de anos de uso, percebeu-se que na prática não é bem assim. O DMAE em creme não tem ação sobre a placa motora e hoje é utilizado nas fórmulas para promover melhor absorção de outros ativos associados, efeito bem diferente do que foi sugerido inicialmente”, conta Aline, da UFRJ.

Caso a caso

Por outro lado, fora desse mundo praticamente desconhecido, os dermatologistas afirmam que de maneira geral os cosméticos já consagrados – isto é, que ao longo do tempo comprovaram sua eficácia na prática – oferecem opções seguras e eficazes, com poucas exceções, mas que a eficácia vai depender, sobretudo, do tipo de ação do produto. “No processo industrial moderno, as substâncias ativas, que vão garantir os benefícios do cosmético, geralmente se mantém bem estabilizadas, com suas propriedades íntegras. A forma de embalar é segura e também contribui para preservar a fórmula. E o controle de qualidade das marcas é rigoroso”, acredita a dermatologista Aline Vieira. “Toda essa estrutura, que funciona com rigor e segurança, garante o sucesso de algumas combinações que sem a tecnologia de hoje não seriam viáveis como, por exemplo, as que contêm ácido retinóico e seus derivados (que têm características irritantes, e justamente por isso essenciais para a renovação celular) que se apresentam com uma boa tolerabilidade, isto é, menos favoráveis à irritações excessivas, o que há algum tempo não era possível”, complementa a médica.

 

De qualquer maneira, vale lembrar aqui que estamos falando de cosméticos, não de procedimentos invasivos, isto é, sua ação é limitada. “Numa escala de 0 a 10, o creme apresenta efeito 2 e os procedimentos realizados com aparelhos para o mesmo fim, efeito 8”, compara a dermatologista Mônica Aribi. Entre as substâncias que já comprovaram sua eficácia na prática, sem ter suas propriedades comprometidas pelo processo de produção, estão o ácido glicólico, ácido retinóico e outros derivados da vitamina A (que rejuvenescem), o ácido hialurônico e uréia (que hidratam); a vitamina C e coffe berry (antioxidantes, que combatem os radicais livres); a hidroquinona (despigmentante) e tensores como THTE, tensine e argilerine (que previnem a flacidez).

 

A maior prova da eficiência dos cremes faciais industrializados consagrados é que hoje eles são considerados fortes aliados pelos médicos. Sem controvérsias. Não seria exagero dizer que de dez pacientes, sete têm recomendação de tratamentos tópicos com produtos de linha, ou seja, vendidos em farmácias e drogarias. “Não abro mão da segurança dos mega laboratórios cosméticos para indicar cremes manipulados para os meus pacientes, só mesmo em casos muito específicos”, revela a dermatologista Mônica Aribi Fiszbaum. “Os produtos de hoje somam ativos, sem comprometer o resultado final e potencializam os efeitos. Por exemplo, é possível combinar antioxidante com clareador, ácido glicólico com clareador, sem nenhum risco. A segurança é alta para combinar propriedades que se complementam”, justifica a médica. “Os dermatologistas estão cada vez mais adeptos desses produtos, justamente por confiarem na sua eficiência”, admite Aline.

 

É preciso ir fundo

Um dos principais fatores que permitiu esse sucesso entre os cosméticos faciais, e vem se mostrando eficiente nesses últimos anos, de um passado recente, é a capacidade de penetração dos produtos. A nanotecnologia, responsável por reduzir drasticamente as moléculas dos ativos, contribui para que substâncias eficazes, mas com moléculas grandes, possam ser aproveitadas. “Graças a essa técnica foi possível utilizar ácido hialurônico tópico, substância para hidratar e amenizar rugas, que antes era utilizada apenas de forma injetável, por conta de suas moléculas maiores”, diz Aline Vieira, da UFRJ. “Hoje um produto tem a capacidade de chegar até a derme, camada onde ficam as fibras de sustentação da pele, e com isso manter o tônus e amenizar as rugas”, aponta Mônica Aribi.