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Quase 10% dos usuários de maconha no Brasil ficam 12h sob o efeito da droga

Getty Images
Imagem: Getty Images

Daniela Carasco

do UOL, em São Paulo

07/12/2017 04h00

Pela segunda vez, o Brasil entrou para o time de países que participa do Levantamento Global de Drogas (GDS, sigla em inglês), uma pesquisa online, cujo objetivo é mapear o consumo de substâncias no mundo todo. Segundo os novos dados divulgados com exclusividade ao UOL, cerca de 8,5% dos usuários de maconha -- quase 10% -- afirmam passar 12 horas sob o efeito da droga, após uso recorrente da substância ao longo dia.

“Essa revelação tem a ver com a alta concentração de THC [principal componente responsável pelo efeito psicotrópico] presente na maconha consumida no Brasil, que gera dependência da droga. São mais de 10%”, conta Clarice Madruga, pesquisadora da UNIFESP e coordenadora brasileira do estudo. Como comparativo, ela conta que a liberada para uso recreativo no Uruguai tem teto máximo estabelecido de 2% de tetrahidrocanabinol.

Os efeitos da maconha aditivada

“Quanto mais aditiva, maiores a chances de se viciar e, portanto, sentir a necessidade de passar mais tempo sob o seu efeito. Hoje, já sabemos que 46,7% dos usuários preferem a de alta potência, e que a erva vendida no mercado nacional não possui o canabidiol, substância de princípio terapêutico.”

Entre os efeitos negativos, a pesquisadora cita ainda o aumento de chances de desenvolver transtornos de ansiedade e depressão, de desencadear ataques de pânico e de tentativas de parar sem sucesso.

Nesta edição, participaram 3 mil brasileiros, com idade média de 30 anos. E a maconha só perde para o álcool na lista de substâncias mais consumidas no país. Enquanto a erva é usada por 44,9% dos participantes, a bebida alcoólica foi citada por 88% deles. A cocaína aparece em terceiro lugar, com 9,7%.

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O novo fenômeno da cannabis sintética

Além da versão aditivada, a pesquisa mostrou que a maconha sintética também tem sido muito consumida pelos usuários brasileiros. “Trata-se de uma molécula de THC sintetizada em laboratório que não tem nada a ver com a planta”, explica Clarice. “Ao ser sintetizada, a substância provoca uma conexão diferente no cérebro, tornando o efeito ainda mais nocivo. Não à toa, ela leva hoje mais pessoas à emergência do que qualquer outra droga consumida no país. Mais até que a metanfetamina.”

Exatamente por isso, em nenhum país onde a maconha já foi descriminalizada a sintética é liberada. “Ela continua sendo vendida no mercado ilegal”, conta a pesquisadora.

Compra pela internet surpreende

Entre os novos padrões de consumo que mais se destacaram, Clarice cita o aumento da compra de drogas ilícitas pela internet, especialmente pela “Darknet” e “Deepweb”. “Essa ferramenta tem tornado o acesso cada vez mais fácil. Isso leva muita gente a cair em golpes e saber cada vez menos sobre a composição da substância que se compra”, diz.

O consumo de drogas pelas mulheres

Correspondendo a 44,4% das entrevistadas, as mulheres brasileiras se destacam como as maiores consumidoras de inibidores de apetite no mundo. “Essa é a droga mais usada por elas. Em seguida, vem o álcool”, conta Clarice.

Segundo a especialista, a percepção subjetiva sobre o grau de embriaguez entre as brasileiras é preocupante. “Até o ano passado, as participantes relataram precisar em média de 16 unidades de álcool para se sentirem bêbadas, o correspondente a 8 garrafas de cerveja. Isso tem mostrado o quão nocivo beber tem se tornado”, diz. Os homens alegam precisar de 22 doses.

O consumo de cocaína preocupa

Pelo segundo ano consecutivo, o Brasil é o país onde há a maior procura por serviços de emergência pelo uso de cocaína. Clarice explica que essa posição está relacionada ao baixo custo do pó no país. “Só é mais cara do que na Colômbia”, conta. Por aqui, cobra-se 9,4 euros (R$ 32) por grama, enquanto no país vizinho, a mesma quantidade sai por 3,5 euros (R$ 13).

A sua pureza também é um agravante quanto aos efeitos nocivos provocados pela droga, como ataque cardíaco, crise de pânico e aquecimento. “Por estarmos geograficamente próximos dos mercados exportadores, recebemos uma versão pouco adulterada e, consequentemente, com alto poder estimulante.” Cerca de 24,3% dos usuários de cocaína disseram que gostariam de receber ajuda para parar com o uso.

“Antes de qualquer descriminalização, é preciso regulamentar”

Para Clarice, dados como esses contribuem para uma futura tomada de decisão quanto à descriminalização, que exige uma regulamentação prévia baseada em evidências. “Levantamentos como esse, que se voltam a padrões de consumo, são fundamentais para uma tomada de decisão quanto a políticas públicas”, diz. A coleta de dados para o ano de 2018 já está aberta. Os interessados, com mais de 16 anos, podem responder ao questionário no site da GDS até janeiro. No Brasil, a pesquisa também conta com o apoio da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) e da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (ABEAD)