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"Rodrigo foi o alicerce para a Tifanny nascer", diz 1ª trans da Superliga

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Thais Carvalho Diniz

Do UOL, em São Paulo

08/12/2017 12h48

1,91 cm de altura e quase 30 anos para conseguir se enxergar no espelho sem sentir tristeza. Tifanny, a nova ponteira contratada do Bauru, time de vôlei do interior de São Paulo, descobriu que era transgênero ainda criança, e que precisava mudar a imagem que via para ser feliz.

A cirurgia para a adequação de sexo aconteceu em 2014, na Espanha, mas os tratamentos hormonais começaram em 2012. Na época, a goiana, que ainda atendia por Rodrigo Pereira de Abreu, jogava na Bélgica. Antes da transição, passou por times de Portugal, França e outros países europeus. A carreira estava "num nível muito alto, mas precisava parar".

"Estava bem no voleibol, mas não aguentava mais, meu psicológico não aguentava. Joguei profissionalmente como Rodrigo por seis anos. E isso serviu de alicerce para a Tifanny nascer. Foi com ele que consegui juntar dinheiro e toda estrutura para bancar as cirurgias, tratamentos e hormônios. Não é fácil e nada barato", contou em entrevista ao UOL.

Aos 33 anos, ela fará história: será a primeira trans a jogar a Superliga feminina na temporada 2017/2018. Desde 2016, o COI (Comitê Olímpico Internacional) permite a participação de mulheres como Tifanny em competições.

"Foi doloroso passar esse tempo todo como Rodrigo, mas precisei ser forte. Tive muito medo, não queria 'ir para a rua'. Ouvi tantas histórias... Então decidi permanecer naquele corpo até conseguir o que precisava para fazer tudo em segurança."

Uma nova mulher

Tiffany durante treino no Bauru - Marcelo Ferrazoli/Volei Bauru - Marcelo Ferrazoli/Volei Bauru
Imagem: Marcelo Ferrazoli/Volei Bauru

Tifanny nasceu em uma família grande, tem três irmãos e três irmãs. Uma delas, Divina, morava na Holanda, e a ajudou nos cuidados pós-cirurgia. E quando voltou para o Brasil, seis anos depois, foi recebida de braços abertos.

"Todos questionaram por que não falei antes. Eu tinha medo. Mas eles sabiam que eu era diferente. São coisas da vida. Minha mãe, Anália, é uma mulher espetacular, criou os sete filhos sozinha, um exemplo, não tenho o que falar."

Ao ser questionada se sentiu muitas dores na recuperação, a felicidade ao falar da mudança física é tão grande, que a sensação ao escutá-la é que a dor maior ficou mesmo no centro cirúrgico.

"Nunca me senti tão bem, não tive problema nenhum. Estou perfeita. Tanto na parte estética quanto funcional. É claro, você sabe, mulher sempre quer mudar uma coisinha ou outra, mas me sinto ótima."

Sonho de seleção

Tiffany Abreu, ponteira do Bauru - Marcelo Ferrazoli/Volei Bauru - Marcelo Ferrazoli/Volei Bauru
A ponteira/oposta será a 1ª trans a jogar na Superliga. A data da estreia ainda não está definida
Imagem: Marcelo Ferrazoli/Volei Bauru

Tifanny está treinando no Bauru desde julho, quando chegou para se recuperar de uma lesão na mão esquerda. A ideia era se recondicionar e voltar para a Itália, onde jogou a última temporada pelo Golem Software Palmi. De acordo com ela, o contrato com a equipe italiana terminou sexta-feira (8) e, então, ela estará liberada para estrear.

"Vai depender do técnico, claro, mas está tudo certo. Fui muito bem recebida pelas jogadoras, comissão e torcida. Estou muito feliz por ficar."

Para a ponteira, o maior desafio da nova etapa é dar o melhor dentro de quadra para conseguir alcançar o grande objetivo: fazer parte do time de José Roberto Guimarães, técnico da seleção brasileira.

"É meu sonho fazer parte da seleção, jogar uma Olimpíada e quero continuar com ele. Para isso tenho que fazer meu trabalho e jogar bem."