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Vítimas de violência doméstica reagem a choro de Naldo: 'Igual meu ex'

Naldo chorandoem vídeo de desculpas - Reprodução
Naldo chorandoem vídeo de desculpas Imagem: Reprodução

Daniela Carasco

do UOL, em São Paulo

08/12/2017 16h56

A denúncia de violência doméstica feita por Ellen Cardoso, conhecida como “Mulher Moranguinho”, contra marido Naldo Benny não só ganhou o noticiário, como as redes sociais, onde milhares de vítimas que sofrem em silêncio revelam se sentir retratadas em muitos dos detalhes do caso. Na última terça (5/12), a ex-dançarina prestou queixa à Justiça alegando que o cantor a agrediu com socos, tapas e puxões de cabelo após uma discussão por ciúmes.

Ele chegou a ser preso em flagrante no dia seguinte em sua casa, no Rio de Janeiro. No local, a polícia ainda encontrou uma arma sem registro, citada por Ellen durante a denúncia. Naldo pagou fiança e foi liberado. A Justiça concedeu a ela uma medida protetiva, que exige que o cantor mantenha uma distância de no mínimo 100m da vítima e de seus parentes e não estabeleça nenhum contato por quaisquer meios de comunicação. Segundo Ellen, as agressões aconteceram durante os sete anos de casamento.

Diante de toda a repercussão, Naldo divulgou nas redes sociais um vídeo em que aparece chorando e pedido perdão à companheira. “Eu amo muito a minha mulher”, diz na gravação que já soma 200 mil visualizações. “Estou arrependido e acabado. Não queria que isso tudo tivesse acontecido.” Nos grupos de relacionamento abusivo, dezenas de mulheres reagiram inconformadas.

“Eu me enxergo na Ellen”

“Igual meu ex”, disse Fabiana*, 24, ao UOL. Ela foi vítima de agressões durante os dois anos de casamento. A violência começava sempre após um ataque de ciúmes. “Eu me enxergo na Ellen. Apanhei por ter sido eleita a funcionária do mês no meu trabalho. Fui ameaçada de morte em outra ocasião. Só que ele sempre se desculpava pelo que fazia, dizia que ia mudar. E eu o aceitava novamente. Quem já passou por esse tipo de situação sabe que o agressor faz toda essa cena para ter a pessoa de volta.”

Camila*, 22, que ainda vive um relacionamento abusivo por conta da dependência financeira, se diz revoltada com o vídeo. “Não acredito em uma lágrima. Me causou revolta e tristeza”, contou. “Meu marido faz da minha vida um inferno. Depois, chora, pede desculpas, promete não repetir e fala que ama nossa família. Bastam alguns dias para ele fazer tudo de novo. Eu tenho fé que um dia vou me livrar disso também.”

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“Já aconteceu comigo”

Amanda*, 20, passou oito meses em uma relação violenta. “Foi exatamente como nesse caso. Ele me dava uma surra e, depois, chorava de arrependimento. Teve um dia que eu pensei que fosse morrer. No final das contas, eu acabava me sentindo culpada por ter apanhado. Era como se eu merecesse”, conta. “Me vejo nessa história. O Naldo só fez o vídeo porque a denúncia vazou. Se ela não tivesse agido, ele daria um jeito de continuar agredindo em silêncio.”

No Facebook, alguns usuários chegaram a dizer que Ellen deveria perdoar Naldo pelo ocorrido. “Li comentários de pessoas dizendo que ela só teve coragem de denunciar agora porque ele estava ganhando menos dinheiro. Infelizmente, a culpa ainda cai em cima da mulher, que é a vítima dessa história”, lamenta Karina*, 22, que colocou há dois meses um ponto final no relacionamento abusivo de quatro anos. “Em uma das vezes que eu o coloquei pra fora de casa, ele se cortou com uma faca dizendo ter apanhado na rua só para eu o receber de volta.”, conta.

“Esse caso traz características típicas de violência doméstica”

A promotora de justiça Fabiola Sucasas Negão Covas, membro do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (GEVID) e assessora do Centro de Apoio Operacional do Núcleo de Inclusão Social de Direitos Humanos, conta que a violência da qual Ellen foi vítima lamentavelmente é comum a muitas mulheres. E os detalhes são bastante típicos.

“A começar pelo fato da durabilidade. O ciclo de violência se repete, às vezes, por anos e se intensifica em escalada. O segundo ponto recorrente é o pedido de desculpas que faz a vítima acreditar em uma mudança de comportamento do agressor. É a lua de mel do ciclo”, explica.

Sinais de risco também são evidentes. Segundo Fabiola, a presença da arma na casa do agressor só demonstra que a vítima estava em perigo. “É, sem dúvida, um indicador de risco, por mais que ele descarte qualquer possibilidade de usá-la contra ela e se manifeste arrependido.”

Violência não é doença, é crime

No vídeo, Naldo refere seu comportamento violento a um problema que será tratado, uma espécie de doença. “Quem me conhece sabe o cara de bem que eu sou. O quanto estou buscando me cuidar com profissionais, com situações que ela mesma falava para mim”, diz.

A promotora critica: “Ele está usando a opinião pública como forma de apagar a imagem de agressor, para validar uma necessidade de tratamento, como se fosse um doente. Violência não é doença. Ele sabe que não pode agir assim. A patologia tira a responsabilidade do agressor, o impede de entender que ele violou direitos humanos. É crime.”

Denunciar não é fácil

Diante das críticas direcionadas à demora de Ellen em denunciar, Fabiola alerta para a existência de uma série de fatores que impedem uma mulher de romper com o silêncio. A dependência emocional é uma delas e tem como origem a violência psicológica. “O homem faz a vítima entender que só ele é capaz de suportá-la, de fazê-la feliz”, diz. “É muito difícil para uma mulher compreender que o homem que a ama é violento. Essa violência acaba não sendo compreendida como algo ruim, mas como um deslize, ainda mais se tiver sob o manto do ciúme.”