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Hétero flex: homens que transam com homens em orgias, mas não se dizem gays

O pesquisador Victor Hugo Barreto - Reprodução/Facebook
O pesquisador Victor Hugo Barreto Imagem: Reprodução/Facebook

Marcos Candido

Do UOL, em São Paulo

18/01/2018 04h00

O doutor em antropologia Victor Hugo Barreto mergulhou na noite carioca durante quatro anos para desvendar a realidade de homens, abertamente heterossexuais, que transam entre si em festas secretas.

Um dos slogans das festas deixa claro as regras: “só venha se você for homem”. Para os organizadores, isso significa: não se assumir ou ser homossexual "afeminado"’, encarnar a figura clássica do “machão” e estar disposto a transar com outros homens.

O estudo virou o livro “Festa de Orgias para Homens” (Editora Devires), lançado em novembro do ano passado. Na obra, derivada da tese de doutorado defendida na Universidade Federal Fluminense, Victor descreve o enredo dos festejos e analisa como é manifestada e construída a sexualidade masculina.

 abordagem causou discussão na internet. “Nas redes, recebi até ameaça de morte e de uma galera dizendo que o Brasil não ganha o Nobel ou a cura do câncer por causa da minha pesquisa. Claro, essa reação negativa ainda é um fruto de moralismo”, diz. A imprensa também cunhou esse tipo de homem como o “hétero flex”. Nesta entrevista, Victor explica como embarcou nesse mundo e o que descobriu:

UOL: Por que você decidiu estudar uma festa com orgias masculinas?

Bareto: Eu já tinha pesquisas no campo da sexualidade. Aí me apareceu um anúncio na Internet com o convite para festas nas chamadas ‘casas de orgia’. Me ocorreu que essas casas são diferentes de clubes de swing, por exemplo. Então, me interessei.

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UOL: Em quais lugares essas festas costumam acontecer?

Bareto: As festas que pesquisei ficam no Rio de Janeiro e são organizadas em espaços comerciais alugados. Claro, é possível que um grupo saia de um bar e vá para a casa de alguém transar. Essas festas informais entre membros do grupo são as chamadas “sociais”, e são privativas. É uma categoria de encontros particulares que são difíceis de estudar, pois não acontecem com periodicidade. Para analisar, então, tive que ir a festas que acontecem de forma periódica. 

UOL: Além do Rio, as festas acontecem em mais lugares?

Bareto: Sei que há casas assim que funcionam em São Paulo, em Brasília e em cidades do Nordeste. É um mercado que não trabalha com visibilidade. Só acontece para quem está interessado naquilo. Inclusive, muitos estrangeiros dizem que esse tipo de evento é mais forte aqui do que em outros países.

UOL: E qual o perfil dessas pessoas?

Bareto: Eu vi muita coisa. Tinham caras universitários, na casa dos 18 anos, a senhores de 80 anos. Eram das mais diversas camadas sociais. Conheci médicos, advogados, motoristas de táxi, da Uber, garis. Homens casados com homens e homens casados com mulheres, com filhos.

UOL: E por que eles não se consideram homens homossexuais?

Bareto: Percebi a presença de três princípios. O primeiro princípio é o da masculinidade. O segundo é o da discrição. O terceiro elemento é a ‘putaria’, como eles dizem. Isso quer dizer que quem participar dessa festa tem que ser ‘macho’, discreto e puto, ao mesmo tempo. Aquilo acontece no anonimato. Não se pode contar do que acontece ali a ninguém. É um comportamento transgressor para a sociedade de uma forma geral, então quem se envolve quer ter a participação reconhecida exclusivamente naquele lugar.

Capa do livro 'Festas de orgias para homens' - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

UOL: O que você quer dizer com masculinidade?

Bareto: Como são eventos exclusivos para homens, há também uma ideia de uma determinada figura de homem que pode entrar ali. O que isso quer dizer é que eles não querem que homens considerados afeminados participem. Eles ligam a ideia da homossexualidade com a ideia do homem afeminado. São homens transando com outros homens, mas eles se consideram machos, entendeu? O principal fator é que o homossexual é uma orientação desprestigiada na sociedade de uma forma geral. É visto como um 'problema' até hoje, e é difícil assumir essa identidade para a sociedade. O que eles querem seria a ideia de ter prazer com outro homem, sem que isso implique em uma perturbação da norma.

UOL: É o que estão dizendo sobre o termo “hétero flex?”

Bareto: Me perguntaram da figura do 'hetero flex', e achei o conceito interessante. Acho muito bacana que essas pessoas experimentarem a sexualidade. Mas, ao mesmo tempo, eles têm um apego com a heterossexualidade. O motivo é que a heterossexualidade ainda se é a norma esperada na sociedade. Quando você é um homem que não perturba a norma, você ainda se nutre dos privilégios dessa orientação. Claro, é uma postura de homofobia a uma determinada figura de homem. A masculinidade ali é feita, roteirizada, até exagerada.

UOL: Então, não é possível ser abertamente homossexual neste espaço?

Bareto: O que eles falam para mim é que você pode ser gay, mas do lado de fora. Ali dentro não é espaço para reivindicar essa bandeira. Tem uma questão que passa justamente por essa questão de se evitar o traço feminino.

UOL: Qual o papel do machismo nessa realidade?

Bareto: Por exemplo: por que a figura de macho é sempre tão valorizada nesse espaço de orgias ou no mercado erótico? É por causa do machismo: pois cria-se a ideia de que essa figura é a valorizada, que é a norma. O machismo aparece na medida em que ele conforma esses desejos que nós temos. Não só no mundo heterossexual a figura do homem machão é valorizada. Entre os abertamente gays o machão também é.