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Ativistas trans falam da polêmica de Tiffany na liga feminina: "É achismo"

Tifanny Abreu tem se destacado na Superliga feminina de vôlei, jogando pelo Bauru  -
Tifanny Abreu tem se destacado na Superliga feminina de vôlei, jogando pelo Bauru

Helena Bertho

do UOL

23/01/2018 04h00

Desde dezembro de 2017, Tiffany Abreu tem sido um dos principais assuntos quando se fala em vôlei no Brasil. Ela se tornou a primeira jogadora transgênera a competir a Superliga, jogando pelo Bauru desde 10 de dezembro, com liberação do Comitê Olímpico Internacional (COI), da Federação Internacional de Vôlei (FIVB) e da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), por atender aos critérios dos órgãos. 

No entanto, seu desempenho tem chamado atenção: sua média de pontos já ultrapassou Tandara, a principal atacante da seleção brasileira. Por isso, as jogadoras cisgêneras têm manifestado desconforto com a presença de Tiffany no campeonato, alegando que ela teria vantagens físicas para competir. Ana Paula chegou a publicar uma carta aberta ao COI defendendo que seria injusto com as demais, pois Tiffany teria características físicas masculinas, por ter crescido e treinado por muitos anos como homem.

"É justo simplesmente fingir que estas inegáveis diferenças biológicas não existem em nome de uma agenda político-ideológica que servirá para cercear um espaço tão duramente conquistado pelas mulheres ao longo de séculos?", escreveu a atleta.

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E o que teriam as mulheres transexuais a dizer sobre o assunto? E a ciência? Conversamos com representantes de organizações que lutam pelos direitos de pessoas trans e também com médicos do esporte para trazer novos olhares para o debate. Veja as opinões:

"É puro preconceito", defendem ativistas trans

A secretária de articulação política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), Bruna Benevides, critica o texto da atleta Ana Paula: "Primeiro, a gente precisa dizer que a Ana Paula não é especialista da área de saúde nem pesquisadora ou geneticista. Então qualquer opinião é baseada no achismo, no entendimento leigo", diz 

Para ela, se existe um protocolo médico criado pelo Comitê Olímpico e pensado por estudiosos do tema, as opiniões contrárias seriam apenas demonstração de preconceito. A posição dela é compartilhado pela colega Renata Peron, assistente social e presidente do Centro de Apoio e Inclusão Social de Travestis e Transexuais (CAIS), que acredita que a sociedade se incomoda ao ver mulheres trans ocupando espaços que não sejam o da prostituição.

Já sobre a existência ou não de vantagens competitivas por Tiffany ter desenvolvido seu corpo como homem, Renata acredita que é preciso olhar para o critério existente que é o nível de hormônio masculino no corpo.

Bruna vai além e defende que "o esporte se baseia na vantagem de alguém sobre alguém. Se todas as atletas tivessem no mesmo nível de massa, peso, altura, velocidade, todo jogo seria um empate". 

Ela ainda diz que pessoas trans, por fazerem tratamento hormonal para a vida toda, têm diversos efeitos colaterais devido aos medicamentos. "Eu, enquanto mulher trans, posso assegurar que, entre outras coisas, experimentei perda de massa muscular, de densidade óssea, força e até velocidade".

Para ambas, porém, esse tipo de situação vir à tona é sempre positivo, pois dá visibilidade à questão da exclusão das pessoas trans e força as pessoas a conhecerem um pouco mais. "Falem bem, falem mal, mas falem", diz Renata Peron.

E para a ciência, existe vantagem?

Atualmente, para competir na equipe feminina, a atleta trans precisa estar fazendo terapia hormonal há pelo menos dois anos e ter os níveis de testosterona abaixo de 10 nanomol por litro de sangue --Tiffany apresenta valores abaixo de 1 nanomol/l. 

No entanto, as demais jogadoras questionam se, por ter feito a transição apenas aos 29 anos, ela não teria vantagens pelo desenvolvimento de um corpo masculino.

Segundo os médicos João Grangeiro, membro da comissão nacional de médicos do vôlei, órgão subordinado a Confederação Brasileira de Vôlei, e Marcelo Bichels Leitão, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, não existem estudos científicos suficientes para dizer se de fato há ou não uma vantagem para atletas trans.

"Eu não concordo nem discordo. Não tem estudo que mostre isso, então é achismo. Hoje temos um critério, que é a testosterona", defende João Grangeiro. Outros critérios para medir uma possível vantagem das atletas, como força ou capacidade pulmonar, ainda não existem.

Mas ele acredita que o desenvolvimento do corpo de uma atleta como homem a maior parte da vida pode, sim, trazer vantagens. "Agora é preciso mensurar essa vantagem. É força muscular? Capacidade aeróbica? Tem mais que as outras na Superliga? Isso precisa de estudo".

Marcelo Bichels concorda. "Em determinados esportes, em que certas características físicas masculinas ou femininas são relevantes, isso pode influenciar. Na fase adulta, a testosterona só aumenta a massa muscular e a força. Mas, durante o desenvolvimento do corpo, pode contribuir com outras características fisiometabólicas", explica.

Um dos argumentos mais usados contra a presença de Tiffany em uma equipe feminina é referente à altura: enquanto a rede masculina tem 2,43m de altura, a feminina tem 2,24m. Mas Tiffany não é a mais alta entre as mulheres: ela mede 1,94m, enquanto Thaísa, do Barueri, mede 1,96.

A questão é entender como de fato essas características poderiam dar ou não vantagem a uma atleta trans e isso a ciência ainda não sabe responder.

No dia 24, a Federação Internacional de Vôlei se reunirá para reavaliar os critérios usados para a participação de atletas transgêneros, por meio de sua Comissão Médica.