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Não queriam que ela levasse marido com Alzheimer ao salão: Fiquei espantada

Marcy ao lado do marido, que sofre de Alzheimer e foi proibido de ir ao salão em que ela ia: "Disseram que ele deixa as outras clientes muito incomodadas" - Christopher Smith/The New York Times
Marcy ao lado do marido, que sofre de Alzheimer e foi proibido de ir ao salão em que ela ia: "Disseram que ele deixa as outras clientes muito incomodadas" Imagem: Christopher Smith/The New York Times

Paula Span

Do New York Times, em Nova York

11/08/2017 04h10

Cuidadores acabam se isolando da sociedade e até ficando doentes por conta desta exclusão. Depressão e doenças cardíacas são os problemas mais comuns. Mas nova pesquisa mostra como pequenas atitudes servem para melhorar a situação emocional de quem não tem outra opção a não ser cuidar de um ente amado.

Durante anos, Marcy Sherman-Lewis ia a um salão de beleza em St. Joseph, Missouri, Estados Unidos, todos os meses para cortar e fazer luzes nos cabelos. Era um martírio preparar o marido, Gene Lewis, 79 anos, para a saída. Ele tem mal de Alzheimer e ajudá-lo a tomar banho e se vestir, colocar o aparelho auditivo e embarcar no carro era um processo bem lento.

Porém, ela não podia mais deixá-lo sozinho em casa. E, quando entrava no salão, "ele se sentava, via TV e dormia, sem incomodar ninguém", conta Marcy, 62 anos. A cabeleira também cortava carinhosamente seu cabelo.

Então, no mês passado, a dona do salão teve uma conversa reservada com ela. "Marcy, ele deixa minhas outras clientes muito incomodadas", relata a esposa.

"Fiquei espantada. Não tem problema se os netos dos outros ficam correndo por ali. O que devo fazer? Prendê-lo em uma gaiola no carro?"

Muitos cuidadores sofrem com o isolamento social

A exemplo de muito cuidadores, ela descobriu que, além do fim da carreira profissional, das tarefas manuais, da programação dos remédios, lutas com o seguro-saúde e do sono interrompido, ela enfrenta um novo problema: o isolamento social. "É doloroso. Você precisa dos amigos mais do que nunca."

Mas onde eles estão? Betsey Brairton, 48 anos, cuida da mãe, Sue, na zona rural de Olean, estado de Nova York. A matriarca da família, com 79 anos, sofre de estenose espinhal, artrite e com as lesões permanentes de um derrame, então tem mobilidade limitada. "A gente praticamente não sai, e ninguém vem aqui", conta a filha. Quando sai por uma ou duas horas, tem medo de largar o celular.

Embora um casal de amigos a convide ocasionalmente para jantar fora, "eu não posso me comprometer com nada, caso minha mãe tenha um dia ruim", diz Brairton. Ela começou a perceber que quando se encontrava com outras pessoas, por conta de sua vida limitada, não tinha nada interessante para contar.

Quem trabalha como cuidador conhece bem esse problema, principalmente quando a pessoa cuidada tem demência, uma responsabilidade particularmente árdua.

Essa é uma atividade solitária, já que muitos amigos e familiares somem

"O atendimento é feito com amor e carinho, mas também existe muita perda envolvida", diz Carey Wexler Sherman, gerontologista do Instituto para Pesquisa Social da Universidade do Michigan. "As pessoas mencionam os amigos que somem, os parentes que não querem se envolver. É uma atividade solitária."

Por vezes, os cuidadores se isolam. Barbara Moscowitz, assistente social especializada em gerontologia do Hospital Geral de Massachusetts, escuta os clientes lamentarem que, quando o comportamento provocado pela demência no ente querido pode ser espantoso, aventurar-se em público cria mais apreensão do que prazer.

"Elas contam: 'Estou cansada de tentar explicar por que ela está fazendo aquilo, por que não precisam ter raiva nem medo'", relata Moscowitz. "É mais fácil ficar em casa."

Isolamento pode causar depressão e até doenças cardíacas

Contudo, o hábito de evitar os outros —ou de vê-los evitando você— vai de encontro a um número crescente de pesquisas mostrando como o isolamento e a solidão podem ser danosos. Eles estão ligados a uma série de enfermidades, incluindo doenças cardíacas e acidentes vasculares. Entre os idosos, o isolamento está vinculado à depressão, com mortalidade ainda maior. Pesquisadores holandeses descobriram que idosos solitários estão mais propensos a desenvolver demência.

Há muito tempo, pensávamos nesses fatores como perigos para as pessoas cuidadas, mas eles também podem colocar em risco os cuidadores, que geralmente também são pessoas mais velhas.

Os anos cuidando da esposa, agora falecida, que teve um caso prematuro de Alzheimer, deixou Les Sperling, 65 anos, tão desanimado que "ficava no meu quarto no escuro e dormia o dia inteiro. Eu não queria sair". Sperling, de Lake Worth, Flórida, fez terapia e tomou antidepressivos até se sentir capaz de interagir novamente.

Nós sabemos algo sobre como ajudar os cuidadores a se sentirem menos solitários. Pesquisadores têm demonstrado que até mesmo intervenções modestas podem reduzir a sensação de isolamento e melhorar sua saúde física e mental.

Mary Mittelman, diretora do Programa de Apoio Familiar para o mal de Alzheimer e demências relacionadas do centro médico Langone Health, da Universidade de Nova York, vem realizando tais estudos há anos.

Com subsídios federais e estaduais, o programa —que envolve sessões de orientação, seguidas por grupos de apoio e acesso telefônico a orientadores quando necessário— inspirou outras iniciativas adotadas em Nova York e diversos estados.

Apoio emocional é mais importante que o "auxílio instrumental"

"É o apoio que reduz o estresse, a depressão, melhora a saúde e retarda as internações em clínicas de repouso", conta Mittelman. Curiosamente, a equipe descobriu que o "apoio instrumental", no qual outras pessoas ajudam nas tarefas, tem menos impacto do que o apoio emocional.

"Ter alguém do lado de fora que preste atenção e se importa é mais importante", ela afirma.

Outras iniciativas, tais como Savvy Caregiver e REACH, demonstraram eficácia similar. Como são oferecidas com nomes variados nos diferentes estados, as agências locais para a terceira idade podem auxiliar os cuidadores aflitos a encontrar programas regionais gratuitos. E como sair de casa pode ser uma batalha, os criadores do programa também estão avaliando versões pela internet.

Os cuidadores já se encontram em grupos do Facebook e em sites, mas os especialistas têm visões ambíguas sobre essas opções. "Eles fornecem o anonimato, e isso pode permitir maior sinceridade. Às vezes você precisa desabafar às 2h da madrugada", diz Wexler Sherman, a gerontologista.

"Só que nós precisamos de qualificações. Ser cuidador é um trabalho", ela afirma. Será que a informação passada pela internet é correta e útil? Existe um moderador capacitado?

"É importante ter um líder para monitorar e validar", diz Moscowitz, que chefia vários grupos de apoios para funcionários do Hospital Geral de Massachusetts e membros da comunidade. Além disso, "nada se compara ao abraço de uma pessoa de verdade".

Eventos culturais que envolvem pessoas com demência e seus cuidadores são uma ótima iniciativa

Em outras frentes, vemos mais esforços para oferecer eventos culturais e de convivência social para pessoas com demência e seus cuidadores. A campanha Demência Amiga, nos Estados Unidos, busca tornar comunidades inteiras —incluindo a polícia, igrejas, restaurantes e salões de beleza— mais informadas e receptivas.

As pessoas também podem desempenhar um papel. É fácil demais deixar os amigos cuidadores sumirem de vista dizendo um "me liga se precisar de alguma coisa".

"Não pressione o cuidador a lhe dizer o que fazer", explica Moscowitz. Ela sugere que se pergunte o que poderia ser útil, fazendo uma lista de tarefas específicas e dividindo as atividades.

"Não me convide para almoçar —você sabe que não posso ir. Venha e traga uma pizza e uma garrafa de vinho", diz Sherman-Lewis.

Ainda que o auxílio tangível conte —e vamos reconhecer que um país que está envelhecendo não pode se valer unicamente das famílias, amigos e voluntários para fornecer tudo que os idosos dependentes necessitam, por melhor que seja o apoio que tenham—, mande mensagens com frequência, telefone ou visite. Isso impede que os cuidadores se sintam invisíveis e esquecidos.

Os orientadores do programa da Universidade de Nova York tiveram a inspiração amistosa de enviar um cartão no aniversário dos clientes, já que a informação consta de seu cadastro.

É algo gentil, ainda que trivial, mas, geralmente, segundo relata Mittelman, "eles ligam tão agradecidos, dizendo que somente nós nos lembramos".