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Benefícios da dieta cetogênica contra câncer são baseados em especulações

Marcelo Rezende largou o tratamento convencional e passou a seguir a dieta cetogênica - Edu Moraes/Record
Marcelo Rezende largou o tratamento convencional e passou a seguir a dieta cetogênica Imagem: Edu Moraes/Record

Thamires Andrade

Do UOL

19/09/2017 11h04

O jornalista Marcelo Rezende, que morreu neste sábado (16), foi muito criticado ao abandonar a quimioterapia e optar por um tratamento alternativo, baseado na dieta cetogênica, na luta contra um câncer no fígado e no pâncreas.

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A técnica é difundida no Brasil pelo cardiologista, nutrólogo e autor de livros de autoajuda Lair Ribeiro. Na defesa dessa teoria, Ribeiro cita o médico Otto Warburg, que ganhou um prêmio Nobel por descobrir que a glicose é a alimentação mais importante das células cancerosas. A suposição do cardiologista é que, ao fazer uma dieta reduzida em carboidrato, você “mata as células de fome”.

No entanto, o tipo de alimentação não é um tratamento contra o câncer e não pode substituir a quimioterapia. Segundo especialistas consultados pelo UOL, ainda é cedo para falar se a dieta teria algum impacto na doença, se usada em paralelo ao tratamento convencional.

O que a dieta cetogênica?

A endocrinologista Maria Fernanda Barca, doutora em Endocrinologia pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e membro da The Endrocrine Society, nos Estados Unidos, explica que a dieta cetogênica tem como objetivo deixar o corpo em estado de cetose [estado em que o corpo usa a gordura como fonte de energia] e, para alcançar isso, o carboidrato fica restrito a apenas alguns alimentos, como os legumes.

“É uma dieta com poucas calorias, em média 600 por dia, e rica em proteína e gorduras boas. Na hora que você diminui o carboidrato, o corpo não tem açúcar para usar como fonte de energia, então, ele começa a produzir corpos cetônicos e queimar a gordura do organismo”, fala.

Mas o que a literatura médica diz sobre esse tipo de dieta?

De acordo com os especialistas ouvidos pelo UOL, não há estudos suficientes que comprovem que a dieta cetogênica é boa ou ruim aos pacientes oncológicos. Mas uma coisa é fato: abrir mão das terapias convencionais aumenta em mais de duas vezes o risco de morte e não é recomendado pelos médicos.

Renata Cangussu, membro da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica), explica que essa dieta não é novidade e já há evidências sólidas que ela é positiva para pacientes com epilepsia que não respondem bem ao tratamento medicamentoso. No entanto, com relação ao efeito dela nos pacientes com câncer, os estudos ainda são muito incipientes.

“Temos alguns feitos em animais ou células in vitro que demonstraram benefícios, mas não dá para transpor esses dados para os humanos. Temos algumas pesquisas que ainda estão em andamento e alguns estudos de caso, mas também não é sólido suficiente para recomendar a dieta”, fala.

Para que a dieta cetogênica possa ser indicada, os especialistas terão que responder uma série de questões, como em quais tipos de câncer ela tem impacto positivo, em qual estágio da doença que pode, de fato, impactar as células, dentre outros questionamentos. “Já foram feitos estudos de que ela traria benefícios para pacientes com câncer no sistema nervoso central, mas, ainda assim, os dados obtidos não são suficientes para indicá-la”, diz Renata.

E de onde veio a ideia de que essa dieta ajudaria na cura do câncer?

Segundo Artur Malzyner, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein e consultor científico da Clinonco - Clínica de Oncologia Médica, essa especulação parte de informações esparsas, que não necessariamente tem correlação. Ou seja, os cientistas ainda precisam de evidências para provar que elas estão correlacionadas.

“Uma delas é que a glicose é a alimentação mais importante das células cancerosas, particularmente nos tumores malignos. Então, a suposição é a de que quanto mais insulina circulando, mais células cancerosas. Mas isso não quer dizer que realmente acontece. Até porque há inúmeras fontes de glicose que não os carboidratos, como a gordura e proteína. Por isso, tem diabético que, mesmo sem comer açúcar, ainda tem taxa de açúcar alto no sangue”, explica.

Malzyner encara essa associação de informações como, no mínimo, precipitadas. “Após muitos estudos essa conexão de informações até pode se mostrar verdadeira, mas, no momento, essa teoria está no terreno da especulação. Acredito no impacto da alimentação no tratamento do câncer, mas ainda é preciso estudar a maneira que isso acontece, pois, senão, tudo é especulação”, declara.

E existe alguma recomendação alimentar para quem têm câncer?

De acordo com os oncologistas ouvidos pelo UOL, a recomendação é uma dieta saudável, rica em proteína, baixo teor de gordura saturada e com alimentos integrais, que são os alimentos mais indicados não só para quem está doente, mas também busca uma vida mais saudável.

“Indico uma restrição dos carboidratos simples, aqueles que viram açúcar rapidamente na corrente sanguínea, mas nada restrito a ponto de causar cetose”, explica Renata.

Já Malzyner deixa claro que não existe uma recomendação padrão ou diferenciada para os pacientes oncológicos, mas, para evitar perda de massa muscular durante o tratamento, os médicos recomendam um estilo de vida saudável.

“Indicamos uma dieta com alimentos com baixo índice glicêmico, como os integrais. Isso é baseado nas percepções que temos de alimentação saudável em geral. Não tem um elemento diferente que passamos ao paciente com câncer, fazemos o mesmo refrão para qualquer pessoa: uma alimentação saudável e atividade física”, fala Malzyner.