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Um suicídio que deixa dor e perguntas difíceis sobre um antidepressivo

O marido de Wendy Dolin se matou em 2010. Ela acredita que o antidepressivo que Stewart começou a tomar, uma forma genérica de Paxil, era responsável. Em abril, um júri concedeu US$ 3 milhões de indenização.  - Whitten Sabbatini / The New York Times
O marido de Wendy Dolin se matou em 2010. Ela acredita que o antidepressivo que Stewart começou a tomar, uma forma genérica de Paxil, era responsável. Em abril, um júri concedeu US$ 3 milhões de indenização. Imagem: Whitten Sabbatini / The New York Times

Roni Caryn Rabin

Do New York Times

19/09/2017 18h52

No último jantar que Wendy Dolin teve com seu marido, Stewart, ele se encontrava tão agitado que balançava as pernas debaixo da mesa sem parar e quase não conseguia ficar quieto. Pouco tempo antes, Dolin começara a tomar um novo antidepressivo, mas ainda se sentia muito ansioso. "Eu não entendo, Wen", disse. No dia seguinte, Stewart Dolin, advogado de Chicago de 57 anos, passeou por uma plataforma ferroviária por vários minutos e então se jogou na frente de um trem.

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Wendy Dolin logo se convenceu de que o remédio que o marido tinha começado a tomar cinco dias antes de sua morte — paroxetina, a forma genérica do Paxil — teve um papel importante no suicídio, desencadeando um efeito colateral com nome de acatisia, um estado agudo de agitação física e psicológica. Pessoas com esse sintoma descrevem uma sensação de "sair da pele".

Alguns psiquiatras acreditam que a manifestação da acatisia pode explicar o elevado risco de suicídio em certas pessoas. Os sintomas são tão angustiantes que os pacientes podem sentir "a morte como algo bem-vindo", declarou um cientista de uma empresa responsável pela fabricação de medicamentos na Journal of Psychopharmacology.

Em uma foto sem data, Wendy e Stewart Dolin posam durante as férias em Aspen, no Colorado. - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Em uma foto sem data, Wendy e Stewart Dolin posam durante as férias em Aspen, no Colorado.
Imagem: Arquivo pessoal

Dolin processou a fabricante original do Paxil, GlaxoSmithKline, alegando que a empresa não colocou avisos suficientes sobre os riscos associados à droga. Em abril, um júri concedeu US$3 milhões a Dolin. O processo é um caso raro em que um suicídio envolvendo antidepressivos chegou a julgamento; muitos casos são dispensados ou resolvidos fora do Tribunal, disse Brent Wisner, da firma de advocacia Baum Hedlund Aristei Goldman, que representou Dolin.

O veredicto também é incomum, porque a Glaxo, que pediu ao tribunal para anular o veredicto ou para conceder um novo julgamento, já não vende o Paxil nos Estados Unidos e não fabrica a forma genérica do remédio que Stewart Dolin estava tomando. A empresa argumenta que não deve ser considerada responsável por uma pílula que não produziu.

As preocupações com a segurança em relação aos antidepressivos perseveram há muito tempo, embora muitos médicos e pacientes considerem os medicamentos uma tábua de salvação.

Desde que foram ligados ao aumento de comportamentos suicidas em jovens, há mais de uma década, todos os antidepressivos, incluindo o Paxil, ganharam uma etiqueta de aviso de "tarja preta", revisto e aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), comunicando que aumentavam o risco de pensamentos e comportamentos suicidas em crianças, adolescentes e jovens adultos de até 25 anos.

As etiquetas de aviso também estipulam que o risco de suicídio não foi observado em estudos de curto prazo em ninguém com mais de 24 anos, mas destaca necessidade de acompanhamento de todos os pacientes que iniciam o tratamento.

"As evidências científicas não mostram que a paroxetina provoca suicídio, tentativas de suicídio, automutilação ou pensamentos suicidas na população adulta. Qualquer suicídio é uma tragédia e um lembrete de que a depressão e outras doenças mentais podem ser fatais", declarou Frances DeFranco, porta-voz da empresa, por e-mail.

Wendy e Stewart Dolin no dia de seu casamento, em 1974. Ela acredita que o antidepressivo que seu marido começou a tomar, uma forma genérica de Paxil, foi responsável pelo suicídio dele em 2010. - Arquivo pessoal/NYT - Arquivo pessoal/NYT
Wendy e Stewart Dolin no dia de seu casamento, em 1974. Ela acredita que o antidepressivo que seu marido começou a tomar, uma forma genérica de Paxil, foi responsável pelo suicídio dele em 2010.
Imagem: Arquivo pessoal/NYT

O processo de Dolin, no entanto, levantou o debate sobre dados de ensaios clínicos iniciais do Paxil, renovando as preocupações do risco em adultos mais velhos, que inclusive usam antidepressivos em número muito mais elevado do que os jovens.

Os documentos indicam que vários dos suicídios e tentativas de suicídios dos primeiros ensaios clínicos que foram atribuídos aos pacientes com uso de placebos – e que, comparativamente, fizeram o Paxil parecer mais seguro – não deveriam ter sido contabilizados. Um revisor da FDA havia dito isso à empresa. Mais tarde, a Glaxo analisou novamente os dados e, em 2006, aprimorou o aviso no Paxil, advertindo que, entre os adultos de todas as idades com grandes problemas de transtorno depressivo, "a frequência de comportamento suicida foi maior em pacientes tratados com paroxetina em comparação àqueles tratados com placebo" – 6,7 vezes maior.

O rótulo, no entanto, foi substituído um ano mais tarde, em junho de 2007, pelo aviso estipulado pela FDA que passou a figurar em todos os antidepressivos, que diz apenas que o aumento do risco é percebido entre a população com menos de 25 anos.

Um Delicado Cálculo de Risco

No ano passado, 325 milhões de prescrições de antidepressivos foram preenchidas nos Estados Unidos, incluindo 15 milhões para Paxil e paroxetina, de acordo com a IMS Health, empresa de informações de saúde.

No entanto, enquanto um em cada dez americanos com idades entre 12 anos ou mais teve alguma prescrição de antidepressivo, um em cada sete adultos com 40 anos ou mais tem alguma indicação, incluindo quase uma em cada cinco mulheres de meia idade, de acordo com o National Center for Health Statistics.

Muitos psiquiatras alegam que os benefícios dos antidepressivos superam os riscos, mesmo para pacientes mais jovens. Também dizem que as drogas são geralmente bem toleradas e altamente eficazes. Vários especialistas proeminentes têm sido críticos com o que chamam de excessiva atenção aos perigos. Eles falam que isso potencialmente pode dissuadir as pessoas que se beneficiaram do tratamento.

A questão é complicada pelo simples fato de que a própria depressão e outras doenças mentais podem conduzir ao suicídio. "Antidepressivos impedem suicídios mais do que causam, superam provavelmente em grande número", afirma o Peter Kramer, psiquiatra e professor clínico emérito da Universidade de Brown e autor de vários livros sobre antidepressivos, incluindo "Ouvindo o Prozac".

Kramer, que não estava envolvido no processo de Dolin, enfatiza aos seus pacientes que entrem em contato com ele imediatamente se tiverem alguma reação ruim durante as primeiras semanas de tratamento com os antidepressivos – e especialmente nos primeiros cinco dias. "Quando receito a medicação pela primeira vez aos pacientes, digo que vamos ser muito cautelosos no início", acrescenta.

As informações contidas na bula dos antidepressivos advertem especificamente para o fato de que os pacientes devem ser monitorados caso tenham sintomas como ansiedade agitação, ataques de pânico, mania e acatisia. "Existe a preocupação de que tais sintomas possam representar precursores de um sentimento suicida emergente", dizem os rótulos, especialmente se forem "abruptos no início" ou se "não faziam parte dos sintomas anteriores apresentados pelo paciente".

A acatisia é, por definição, uma síndrome induzida por medicamentos. A palavra vem do grego e significa "não se sentar", referindo-se à incapacidade de permanecer parado. Acatisia é caracterizada por ansiedade, agitação e uma compulsão por se mover ou andar a esmo; os pacientes podem ficar irrequietos ou balançar infinitamente em suas cadeiras.

Isso pode ocorrer quando o paciente, adulto ou jovem, começa o tratamento, mas às vezes também surge quando a dosagem da droga é aumentada, diminuída ou interrompida. Os especialistas alertam que pacientes tolerantes a algum medicamento utilizado no passado podem desenvolver acatisia ao iniciar um novo tratamento.

A acatisia é um efeito colateral comum e bem conhecido de remédios antipsicóticos, bastante utilizados para tratar doenças como esquizofrenia, mas cada vez mais administrados para uma variedade de queixas em relação à saúde mental, incluindo a depressão. Mas sua associação com os antidepressivos não é muito reconhecida, segundo os especialistas, e as taxas de incidência são difíceis de definir.

Um grupo de psicofarmacologistas que analisou mais de 100 estudos encontrou uma taxa do que chamaram de "síndrome de nervosismo/ansiedade" – definido por eles como um agravamento da ansiedade, da agitação e da irritabilidade – que variou entre quatro e 65 por cento em pacientes que estavam iniciando o tratamento com inibidores seletivos da recaptação da serotonina, ou ISRS, a popular classe de antidepressivos à qual o Paxil pertence.

Psiquiatras ligaram a acatisia induzida pelos ISRS ao comportamento suicida em um artigo de 1991 que descreve três pacientes que sobreviveram a tentativas violentas de suicídio logo após iniciarem tratamento com a fluoxetina ou que tiveram um aumento na dosagem.

Os pacientes pararam de utilizar a droga, mas concordaram em tentar outro tipo de tratamento com fluoxetina sob constante observação. Os três ficaram extremamente agitados e tiveram recorrência de pensamentos suicidas.

"É exatamente o que aconteceu comigo a última vez que tomei fluoxetina e tive vontade de me jogar de um penhasco de novo", um dos pacientes teria dito. Outra alegou que tentou se matar por causa desses sintomas de ansiedade, não tanto pela depressão em si.

O doutor Anthony J. Rothschild, um dos coautores do estudo, já desclassificou o artigo, dizendo que foi uma observação refutada por ensaios clínicos subsequentes da administração da droga. Ele testemunhou como perito para a Glaxo no julgamento de Dolin.

Os sintomas da acatisia se assemelham tanto a sintomas de ansiedade e depressão, que às vezes é difícil para um médico distinguir entre a doença subjacente e o que poderia ser um efeito colateral do remédio no tratamento, afirma Joanna Gedzior, professora assistente clínica de Psiquiatria do Programa de Educação Médica Fresno da Universidade da Califórnia, em São Francisco.

Se o médico acha que as condições do paciente estão piorando, pode aumentar a dose, o que tem o poder de ser desastroso se o medicamento for o responsável pela deterioração do quadro.

"Precisamos ter muito cuidado com isso e sempre nos perguntar, 'será que algo que estou dando ao paciente está causando isso?'", pontua Gedzior, que escreveu um artigo sobre a acatisia.

No ano passado, médicos da Escola de Medicina da Universidade do Sul do Illinois descreveram o caso de um homem de 45 anos de idade que desenvolveu a acatisia alguns dias depois que iniciou o tratamento com um antidepressivo, mas foi diagnosticado erroneamente como tendo ataques de pânico. Quando os médicos dobraram a dose, ele tentou se suicidar.

Os médicos alertam que a acatisia pode ser uma das apresentações de diagnóstico clínico mais ambíguas em toda a psiquiatria e é muitas vezes sub-diagnosticada ou mal diagnosticada.

"Nós sabemos que a ansiedade e a acatisia criam uma sensação de desesperança, especialmente se os sentimentos não são validados", diz Gedzior. E a desesperança pode levar a pensamentos suicidas. A combinação de acatisia, ansiedade e depressão colocam pacientes sob risco de suicídio, acredita ela.

Explicar aos pacientes que sua perturbação emocional talvez tenha sido causada por um efeito colateral medicamentoso pode aliviar sua aflição, afirma Gedzior. Os médicos podem reduzir o desconforto do paciente com a descontinuação da droga, ou adicionando outra receita, como um remédio contra a ansiedade.

Durante o julgamento de Dolin, uma terapeuta testemunhou que Stewart Dolin havia ligado para agendar uma sessão naquele mesmo dia, 14 de julho, véspera do suicídio. Mas Dolin foi incapaz de se manter calmo durante toda a sessão, remexia-se nervosamente na cadeira e não conseguia se acalmar.

A terapeuta estava tão preocupada que ligou para ele no trabalho no dia seguinte – o dia de seu suicídio – para convencê-lo a pedir ao médico uma prescrição de ansiolítico.

Wendy Dolin está convencida de que o marido não era suicida, até que desenvolveu a acatisia como efeito colateral da paroxetina. O marido vivia "um dos seus melhores anos", disse ela. O casal estava junto desde os tempos de colégio, haviam casado fazia 36 anos, tinham filhos adultos que estavam prosperando e um grande círculo de amigos.

"Stewart ocasionalmente sofria de estresse e ansiedade associados ao fato de ser um advogado de sucesso, mas tinha grandes habilidades de adaptação. Quando estava mal, ele procurava terapia e seguia em frente", afirmou Dolin, que iniciou uma organização chamada Missd, para aumentar a conscientização dos sinais de alerta da acatisia. "A única coisa diferente dessa vez era que ele tinha começado a tomar o Paxil."