Topo

"Aprendi a amar minhas queimaduras e uso a maquiagem para inspirar outras"

Livia Cristal, antes e depois - Arquivo Pessoal
Livia Cristal, antes e depois Imagem: Arquivo Pessoal

Helena Bertho

do UOL

18/10/2017 04h00

Aos quatro anos, Livia Cristal literalmente pegou fogo em um churrasco e seu rosto foi fortemente atingido. 18 cirurgias depois ela conseguiu reconstruir sua face, mas as marcas ficaram. Com o tempo, ela aprendeu a se amar e se valorizar. Hoje, a turismóloga usa as redes sociais para ajudar outras mulheres com marcas e cicatrizes a recuperarem a autoestima.

"Lembro muito pouco do que aconteceu. Foi uns dias antes do meu aniversário de cinco anos, em um churrasco na casa da minha tia. Eu estava passando perto da churrasqueira, quando um fogo veio para cima de mim. Soube depois que o homem que estava cuidando do churrasco confundiu água e álcool e jogou o último nas chamas sem querer, provocando uma explosão.

Veja também

Saí correndo, as pessoas vieram atrás e o churrasqueiro jogou uma camiseta no meu rosto tentando apagar as chamas. Mas o resultado foi o contrário: o tecido derreteu e grudou no meu rosto, piorando ainda mais a situação.

Chegaram a achar que eu não voltaria a ver

Fui levada para o hospital, a queimadura era de quarto grau e meus olhos haviam grudado. Os médicos chegaram a achar que eu não voltaria a enxergar.

Mas mesmo assim começaram as cirurgias para tentar me recuperar. Por uma semana, eu ficava entrando e saindo do centro cirúrgico. Tinha dado perda total no meu rosto e precisaram tirar pele da minha coxa para reconstruí-lo.

Por sorte, minha visão voltou, mas a situação da minha pele não era das mais fáceis: precisava usar uma máscara sobre o rosto, para proteger a pele frágil e ficava somente com os olhos, nariz e boca de fora. Detalhe: eu tinha ficado sem o lábio.

Livia Cristal antes - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
O médico disse que eu nunca seria bonita

Pelos cinco anos seguintes, minha vida foi marcada por essa máscara e por inúmeras cirurgias. Eram duas ou três por ano, tentando deixar meu rosto o menos marcado possível.

Na escola era horrível, as crianças todas ficavam em cima, apontando para mim, me zuando. Mas eu tentava não deixar isso me atingir, minha mãe me ajudava muito, estimulando minha autoestima e dando força para seguir.

Bem, aos 11 anos o médico disse que não tinha como fazer mais cirurgias, porque minha pele estava muito frágil. Eu ainda tinha muitas marcas e ouvi dele: 'Você vai ter que estudar muito, porque pela beleza nunca vai vencer na vida'. Nunca vou me esquecer disso.

Via as outras meninas namorando e ficava triste

Daí para frente, vivi uma luta constante para me aceitar. Minha mãe sempre me dizia que eu era linda daquele jeito mesmo, que devia me amar, que não podia ficar presa em casa por causa da minha aparência.

Mas não era fácil. Além das piadas dos amigos, eu via minhas amigas namorando, começando a se envolver com meninos, e eu nada. Nessa época, não conseguia me aceitar. Era muito difícil para mim.

Livia Cristal depois - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
Quem quiser gostar de mim, vai ter que me aceitar assim

Foi aos 17 anos que as coisas começaram a mudar. Decidi voltar a mexer no meu rosto e procurei um médico. Comecei a fazer tratamento com laser para a pele. Ao mesmo tempo, descobri uma pesquisa que estava testando o uso de silicone para reconstrução dos lábios.

Entrei para o experimento e tive a chance de voltar a ter minha boca desenhada. Isso foi incrível para mim, ficou maravilhoso e fez com que eu me enxergasse como mulher. Porém, o tratamento da pele começou a dar errado, porque ela é muito sensível. Decidi então parar e falei para mim mesma: 'Quer saber? Quem quiser gostar de mim vai ter que me aceitar assim'.

Foi só aí, nesse momento, que entendi que não sou um monstro. Comecei a reconhecer minha beleza e entendi que quem eu sou vai muito além das manchas na cara. Afinal, eu ainda era uma mulher completa, podia fazer o que quero, quando quero e como quero.

Isso mudou minha postura com o mundo e tudo ficou mais fácil. Fui fazer faculdade de Turismo, comecei a trabalhar, tive relacionamentos e entendi que podia viver normalmente.

Cheguei até a ter um namorado que tinha medo de me mostrar para sua família. Quando me toquei disso, terminei. Poxa vida! Quer estar comigo escondida com medo do que vão falar? Eu merecia mais.

Hoje uso a maquiagem para inspirar outras mulheres

Quando me formei em 2015, tive meu primeiro contato com a maquiagem. Uma mulher disse que poderia me maquiar para a formatura e duvidei, os produtos não conseguiriam cobrir minhas marcas. Mas ela insistiu e topei. Não é que ela descobriu produtos que funcionavam?

Fiquei deslumbrante com a make e no dia seguinte já saí para comprar batons e pesquisar bases de alta cobertura. Assisti muitos tutoriais online, testei muito e fui aprendendo a me maquiar.

Não que eu precise disso para me achar linda, não. Saio a maior parte do tempo de cara lavada, afinal, dá trabalho fazer maquiagem. Mas me faz bem saber que tenho a opção, de quando quero, posso esconder as marcas do rosto e evitar os olhares alheios.

Quando entendi isso, decidi começar a compartilhar vídeos ensinando a fazer maquiagem. Pensei, quantas outras meninas como eu será que não existem e se escondem por causa das cicatrizes?

Dito e feito, em poucos meses, já recebi até mensagem de uma moça que não saía de casa por vergonha, e que vendo meus vídeos e fotos, decidiu arriscar e está se sentindo muito melhor.