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Quero ser pai: como conseguir sem precisar de uma mulher envolvida?

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Imagem: Getty Images

Thais Carvalho Diniz

Do UOL, em São Paulo

15/12/2017 04h00

"Dá para contar nos dedos de uma mão" os casos de homens solteiros que consultaram Melissa Cavagnoli, especialista em reprodução assistida, para saber informações a respeito do processo de produção independente. O último do qual se recorda aconteceu em 2016, e não foi adiante por motivos legais. A médica acredita que a baixa procura se deve à falta de conhecimento de que se trata de algo tão possível como para as mulheres.

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"Para eles é um pouco mais complicado, mas acontece. Além dos óvulos doados para fertilizar com o próprio esperma, é preciso o útero de substituição, a barriga solidária. É o mesmo caso de um casal homoafetivo masculino", explica Melissa, do Grupo Huntington de Medicina Reprodutiva de São Paulo.

Em novembro deste ano, as regras do CFM (Conselho Federal de Medicina) para o uso de técnicas para a reprodução assistida no país mudaram. Agora, filhas e sobrinhas também podem ceder temporariamente o útero a parentes impossibilitados de engravidar. Antes apenas mães, avós, tias, irmãs e primas poderiam fazê-lo.

Com a barriga solidária a postos, o processo é o mesmo pelo qual passam a mulher solteira ou um casal. O homem vai até a clínica e escolhe um perfil de doadora. Na maioria das vezes, segundo os especialistas, buscam características parecidas às dele.

"Não dá para levar os óvulos de uma amiga, por exemplo. O anonimato é obrigatório, assim como a doadora não sabe para onde foram os óvulos. É semelhante ao que acontece com o material masculino", afirma Arnaldo Cambiaghi, coordenador e diretor do IPGO (Instituto Paulista de Ginecologia Obstetrícia e Medicina da Reprodução).

Segundo Melissa, casais de mulheres são os mais comuns de passarem pela situação proposta acima, seguida das solteiras e homoafetivos masculinos. "Mas o conceito de família está mudando muito. Os homens que desejam ser pais e não estão em um relacionamento precisam saber que existe essa porta aberta."

Barriga de aluguel nos EUA

O médico Wagner Scudeler está de viagem marcada para Los Angeles na próxima semana. O motivo é a transferência dos embriões para a barriga de aluguel que ele contratou nos Estados Unidos, onde, em alguns estados, é permitido remunerar um terceiro para ter um útero de substituição. 

Wagner - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Wagner contratou barriga de aluguel nos EUA
Imagem: Arquivo pessoal

"Já nos conhecemos por Skype, também conversamos por e-mail e agora vamos nos ver pessoalmente. Vou para acompanhar esse momento, a transferência de dois dos seis embriões fertilizados."

O sonho de ser pai bateu forte em 2014, quando o clínico geral começou a pesquisar sobre as alternativas. Solteiro, a primeira alternativa foi a barriga solidária aqui mesmo no Brasil. Entretanto, as tentativas não deram certo. "Tivemos dois abortos espontâneos e como é um processo cansativo e doloroso, decidimos parar." 

Agora, segue a expectativa de ter o desejo realizado por meio de um processo que vai acontecer em outro país. Wagner irá novamente para os EUA uma ou duas vezes durante a gestação para prestar assistência e depois, quando o filho nascer, terá que morar lá por pelo menos dois meses antes de trazê-lo para o Brasil.

 Além dos Estados Unidos, países como Tailândia, Índia, México e Ucrânia autorizam a contratação de barrigas de aluguel. 

Avó solidária

Em outubro de 2016, os gêmeos Pedro Henrique e João Lucas nasceram da barriga da avó, Ana Maria Aranha, na época com 57 anos. O caso aconteceu em Capivari, no interior de São Paulo, e os bebês são fruto de uma reprodução assistida feita com óvulos de uma doadora anônima e o material genético dos pais Luís Henrique Aranha e Gutto Salles.

Luís Henrique, Gutto, Ana Maria e os gêmeos - Divulgação/Wendel Castro - Divulgação/Wendel Castro
Gutto, Luís Henrique, Ana Maria e os gêmeos
Imagem: Divulgação/Wendel Castro

Luís contou para a reportagem que a ideia surgiu depois de uma imensa frustração que ele e o marido tiverem. Diante da vontade de se tornarem pais, a primeira alternativa foi a adoção. O casal, juntos há sete anos, encontrou uma mulher na cidade que estava grávida e não queria o bebê.

"A criança nasceu, era uma menina. Com o processo em andamento e o bebê com dois meses, a mulher desistiu e pediu a filha de volta. Foi um baque, meu marido entrou em depressão."

Foi então que começaram a procurar alternativas na internet e encontraram a clínica de reprodução assistida. Estudaram casos e, numa brincadeira, Ana Maria disse que faria. Aquela conversa virou uma consulta, que resultou em exames que a mostraram apta para levar a gestação adiante.

"Escolhemos um perfil de uma doadora com característica que se enquadravam com o que a gente queria, próximas às nossas e deu tudo certo. Foi uma gravidez tranquila e temos nossa família. Está tudo bem."

Registro e adoção

Pensando em abranger as diversas configurações familiares, também em novembro de 2017, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) formulou novas regras de emissão para as certidões de nascimento. Além de passar a usar o termo "filiação", em vez de "genitores", o recém-nascido pode ser registrado com um ou dois pais ou mães e até três pessoas.

"Com esse novo provimento, é possível escolher declarar o pai ou a mãe da criança. No caso da produção independente, fica claro que não seria possível e não há mais constrangimento", Antonio Carlos Berlini, presidente da Comissão de Direito à Adoção da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil - seção São Paulo).

Para situações de barriga solidária, segundo a nova resolução do CNJ, o cartório apenas exigirá uma declaração da clínica onde foi feito o procedimento de reprodução assistida.

Em casos de adoção, do ponto de vista legal, um homem solteiro tem tanto direito quanto uma família comum ou a mulher de mesma condição de entrar na fila de adoção. Basta atender os requisitos legais e passar pelo crivo do judiciário e serviço social.

"Basicamente precisa ter 16 anos de diferença de idade da criança ou adolescente, ter princípios morais e capacidade emocional e financeira para prover as necessidades daquele indivíduo. Nada difere de outros casos. Direitos e deveres iguais", fala Berlini.